implosão
Vale de nada pensar mais, porque a vida é uma miséria. Ainda que se aguentem as contentes por tudo, as que fingem
estava ela assim pensando
ostentar bem-estar de espírito e conforto material, é tudo mentira ou apenas fugazes momentos de ilusão, porque a vida é uma miséria. Tolhida pela espera da morte, pelo medo. E todas
era no que ela acreditava
têm medo. Que o pior dos medos é perceber, afinal, que nenhuma rede existe, lá no fundo, para nos colher quando do erro de um salto mortal. Sabê-lo só quando já em queda, sabê-lo quando já nada, mesmo nada, nos deixa voltar atrás. Voltar à primeira forma ou, pelo menos, àquele ponto onde tudo se transformou em algo sem retorno.
tinha acendido um cigarro quando as lágrimas já lhe varriam o rosto
Por vezes, há um certo alívio
lembrava
que pouco demora, relativizando a circunstância em que acontece. Na quebra constante desse alívio diz-se que é uma crise, apontando a algo que, ainda que tarde, será resolvido, que algo transformará. Porém, transformadora de tudo. Porque não é uma crise, é continuar vivendo, é retomar, efemeramente sem retorno.
tremiam-lhe os dedos com o mesmo ritmo com que começara a soluçar, os lábios uma fenda ensopada das excreções do choro, salina, quase viscosa
Portanto, nenhum alívio, e crise nenhuma, se a vida é um lamaçal, um vício que já nada tem de positivo.
dirigiu-se à cozinha, aproximou-se do fogão, ligou o gás e não deu lume a nenhuma das quatro bocas
E, como qualquer vício, qualquer droga, primeiro excita-nos, vamos entusiasmadas, mais tarde só queremos continuar em frente e que nos desamparem a loja, por fim é não saber para que lado virar, quedarmo-nos resignadas.
num sopro baixinho, quase inaudível, o gás era expelido pelos bicos do fogão
Pergunto-me: por que diabo tivemos de nascer?
aqueles minutos de silêncio na sua cabeça, só as lágrimas escorrendo, fizeram uma hora, depois duas
essa palavra terrível, nascer, como que um resumo; e depois dela proferida, outras palavras nunca medradas, era já previsível que espirrasse e lhe assaltasse um sono que a ia soltando, soltando cada vez mais, sonhando à mistura as memórias que lhe surgiam em catadupa
O frasco dos comprimidos!
lembrou-se, mas num momento em que já não tinha energia para dar força às pernas - o arrependimento, essa coisa danada
porém, ainda acendeu o último cigarro antes de tudo nela ter implodido
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(foto de autor desconhecido)
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