anjo caído


Queres muito voar sobre o mundo, Mulher? Vem então sobre as minhas asas. Propõe-te a alcançar o ar quase rarefeito de oxigénio da maior altitude que o teu corpo pode suportar. Eu estarei de branco, húmido e com a face e as mãos vidradas e pétreas; estarei feito nuvem a precipitar-me sobre ti, com o teu riso franco de tão liberta do mundo, a conceder-te o oxigénio para que te prolongue o fôlego, cristais de água para que não te atraiçoe a sede.

E, na segura hora antes da queda, haja a humana fé concebendo-me anjo enfeitiçado pelos fios dos teus cabelos e poderoso de tal forma para que possa soprar ventos e indignado me revolte então contra essa vontade insondável e mesquinha de um deus hipocritamente misericordioso. Que tenha como argumento a prova do meu amor por ti, e dou aos ombros se me transforma num anjo de luz caído. Irei desembainhar sabres, espadas fulgindo sob o sol, a jurar vingança, em guerra no céu entre trombetas e ameaças de inferno.

Seja eu então, desobediente por encantamento do teu voo sobre-humano e visto como blasfémia, a mão que te segurará na palma, devolvendo-te sem perigo ao chão em que é suposto os teus pés pisaram sem almejo de levitação. Desse chão onde, por prolongado milagre que não esquecerás, terás o olhar obcecado na abóbada celeste, a procurar-me ,e com a certeza de me encontrares, crente que sou eu quem manda no sol do dia e nos luzeiros que a noite faz brilhar.

E, assim, farás erguer o nosso altar: tu, alma de rosa e alecrim que intentaste o céu, e eu, anjo caído em desobediência, por amor a tão singular terrena criatura. O altar onde só tu me verás, onde só tu poderás adorar-me ainda que já as minhas asas depenadas, esvanecidas como ilusão. Eu um barro defeituoso por devolvido ao pó, ao caos, estando sempre, porém, ao teu lado, de peito e braços abertos para a tua redenção e de ombro pronto para que adormeças sonhando aquele credo humano que diz que

- O mundo é tão bonito, ainda vale a pena!


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foto de Igor Viyushkin

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