estatística


Então, surgiu a primeira hemorragia que te confirmou de que lado das contas estavas. Quer dizer, que das gerais estatísticas passaste para uma mais concreta. A tosse lembrou-te do quanto de afogado te tinhas vindo a sentir, e ali estava: afogavas-te em teu próprio sangue. Tossias e parecia-te a nada, que nada havia para expulsar, mas à medida que tossias naqueles instantes, o lenço de papel ficou tão sujo que foi direito para o lixo. Não propriamente ensopado, mas nodoso o suficiente para que desejasses não voltar a vê-lo. A realidade deixa de ser terrível quando a ignoras.

Pelo que, sentiste novamente o apelo do cigarro novo, aquele branco rolo junto a outros no maço. Passou-te a crise e pensaste, enquanto em movimentos lentos tiravas um cigarro do maço, o levavas à boca e ajeitavas o isqueiro na mão pronto a fazer fogo:

- Queimado por queimado… queimado já estou, que se foda!

e o cigarro já era chupado nos lábios para uma longa fumaça, após a cumplicidade da chama do isqueiro. Entretinhas-te com o sol daquela tarde de dezembro. Lembraste aquele velho que conheceste no hospital, a contar coisas da sua infância:

- Eu e o meu irmão mais novo ficamos curados do sarampo por termos passado horas ao sol. Não me digam tretas, senhores, o sol cura tudo. Não sei porque é que nos metem em enfermarias quando aqui até apanhamos o que não temos. Morre-se mais da cura do que da doença em si

e, com o pensamento no velho, deixaste-te estar fumando, a examinar o amarelecimento das unhas das mãos. Sorriste a pensar que o velho até podia ter razão, sentiste o quente do sol, e que esse calor te fazia bem, te tranquilizava, te confortava.

Também te distraiam as pessoas que passavam na rua. Acenaste, de vez em quando, num verde sorriso de esperança. Desse sentimento de nunca ser tarde. As pessoas repetindo-se nessa tarde como em tantas outras tardes em que nem sequer reparavas nelas. Mas, nesse dia, com o cigarro pendurado nos lábios, a receber o quente do sol de dezembro, tu acenavas a essas mesmas pessoas. Poucas, raras, te responderam. Mas o teu sorriso, verde

(amarelo?)

de esperança permaneceu. O que te interessava era, fosse lá o que viesse a suceder, tu ficarias bem. Por ti e perante os outros. Por esses e perante tu próprio.

Apagaste o cigarro segundos antes de uma nuvem passageira cobrir o sol que te alimentava. Sentiste o frio. A danada da nuvem, pensaste, leva mais tempo a passar do que quando surgiu, do nada. Sentiste umas cócegas algures no peito ao respirar fundo e, às tantas, não aguentaste, lá veio mais tosse.

Dessa vez, não bastou um lenço de papel. Foram mais, nem sabes quantos. Depois, e porque a nuvem afinal não era passageira, voltaste à cama e foram tantas as crises que nem um pacote novo resistiu. Tu com tanto nojo aos lenços, mas sempre olhando de soslaio

(seria saudade?)

para os rolos brancos de tabaco no maço de cigarros.


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