dá cá aquela palha
A vontade de aninhar em colo alheio e soltar o pranto por perceber essa coisa de o mundo desabar por dá cá aquela palha. Somos fracos, frágeis, infelizes por tanta mudez física e psicológica, de tanta sujidade, e feios assim. Somos pais e filhos, irmãos, casais, amigos, mas somos nada e ninguém pelos mesmos motivos, pertencendo a um todo apenas ilusório, já que tragicamente nunca sairemos efectivamente do que nos limita ao ego, em que o outro é apenas uma vaga ideia – que pode ser, também, muito intrusa. E convencemo-nos que sabemos do outro, mas falhando na garantia do que realmente somos e representamos quando, cá dentro, no interior mais íntimo, estando irremediavelmente sós. Isto é uma merda, ó criaturas, acordamos todos os dias sem qualquer certeza de voltarmos a despertar após a próxima dormida. Enfrentamos inconscientemente o medo de nunca mais abrir os olhos para a luz, presos e dados à inaptidão por qualquer capricho biológico. Por isso deviam os gatos pôr palavra no mundo. Os gatos não entendem as banalidades humanas. Um bulir de palha é motivo de atenção para estes domésticos felinos, onde pode estar a possibilidade de saciar a fome – e nada lhes preocupa a solidão. Na modorra, os gatos apenas se predispõem, roçando a cabeça, ao carinho de quem os alimenta e protege; de resto, para eles, o mundo é só o que sentem no momento. Sim, isto é uma merda. Por dá cá aquela palha, tanto nos unimos quanto nos dividimos. Por humanos, habituados a qualquer palha de salvação que surja: a esperança de que seremos um por todos, todos por um. Que patetice.
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foto de Fred Herzog
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