aos poetas da nossa praça


Aqui vos leio, sentado. Bem aqui, sem nenhuma fantasia, sequer a do tempo. Nenhuma fada vossa que exagere o entendimento. E, pronto, cagada: já fiz rima. Deve ter sido só por birra. Mas, aqui folheio os vossos livros, lendo atento as frentes de capa e vossos confrades prefaciadores, essa riqueza cliché sem igual. Pois, dada a circunstância, da aba à contracapa, exige-se do poeta que não se engane, ou exagere, na sentimental semântica de sebenta. E vejo tanto sebo, uma caspa à capa – este meu monstro discernimento. Raios me partam as rimas! Bem sei: este som de soltura estraga todo um esquema. Rebentam as ondas no mar e, reparai, reparai sem distracção: vós dizeis, vós escreveis, que foi para mim, para ela, para ele, para os filhos, quiçá também para os avós, os versos grafados. Mas nunca para quem dos sonhos não vive, condenando qualquer outro poeta que a isso se opõe. Até parece coisa de má-língua. A mim só me incomoda a mistura do molho. Gastrite e insónia, eis porque e o que me faz soltar ais pelas chagas do meu cu. Vós, que escreveis poemas como quem caga de mansinho por entre as folhas caídas dos eucaliptos, sem sequer peidar: prefiro a minha santa sanita, por ser a mais impura, à caganeira que se solta da vossa verborreia em dias de adoração aos santos. Fazeis poemas como quem faz caldos. E eu aqui, à espera da modorra, resolvo-me na retrete enquanto vos leio, sob o cuidado de não fazer pinturas rupestres nas paredes. Ah, não – que nojo! É que os meus dedos, ó caríssimos, só se deixam sujar com o pó da terra. Não temeis tal assombro! Amanhã, as feirinhas estarão didacticamente à vossa espera? Já vos comprou um continente? Um pingo doce, pelo menos, há-de sucumbir à vossa melosa criatividade. Sim, tal qual como fazem com os figos, em agosto: são quase engolidos, sem mastigação, por muita ser a gula. Valha a santa sanidade por vossa exegese, ou seja: a minha sanita ou retrete. Pintada de fresco, mas de vapor ainda quente. E limpando o impuro olho com uma das vossas páginas, lá me levanto, faço a descarga, e sinto que a minha leitura não foi em vão.


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(foto de autor desconhecido)

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