dentro do armário



Desenha, em signos coloridos, predicados novos teus. Os que possam convencer-me para contrariar alguns dos defeitos com os quais me fizeste conhecer-te. Disseste:

- Tenho também a minha mulher

e quem não tem? Mãe, irmãs, amigas, a íntima e última conjectura antes do armário. Repara: és quase um velho, tal como eu. O que perdes? Se eu também me confessei casado com a minha, no papel, e com filhos crescidos, que tens tu em comum comigo? És somente alguém que vive apenas com essoutra, presos ambos a uma artilharia de compromissos morais. Essoutra que referes, tem mais de ti quanto eu te desejo, talvez ainda mais do quanto eu possa alguma vez ter.

E, assim, acabo por ver-te como um bandido. Um vendido. Um cruel amante com vendas, disposto a disparar contra quem ama só para sustentar convenções, ideias antigas de ser. Claro, imagino que te falta a coragem – bem sei. Mas acabaste por me convencer, pela tua atitude, que se fosses capaz de carregar no gatilho de uma qualquer pistola, bem que essa estaria apontada à tua cabeça.

Tendo reconhecido em ti, mais que uma vez, essa tendência

(tu dizendo:

- A vergonha, acaso percebes a vergonha?!)

como posso insistir? Eu deixo de lado o que tive, o que fui

(um apetite frouxo pelos mamilos duros, o apetite por algo que crescesse na minha boca sem ser apenas aquela liquidez feminina da vulva, esperando algo mais, algo mais me apetecia)

para saber estar sempre por ti. Se só no armário sabes amar-me, no armário estarei sempre contigo. Até que consigas. Até que – espero que em qualquer um dos dias próximos – percebas que perante qualquer julgamento dos outros só o teu amor terá sempre a maior razão. E plena força. Saberei esperar para que a cortina negra nos teus olhos possa fazer transparecer de como tem evoluído o mundo e, com ele, o amor. O maior. Não importando sobre o que ou quem.

O que vale – para ti, mas mais para mim – é o que os armários, ainda que possam ter chave e fechadura, cedem facilmente a uma investidura dos ombros. Diz-me, por favor, quando estiver o teu ombro preparado. Libertar amarras em cumplicidade dará melhor sabor à liberdade de poderes amar quem queres.


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foto de Sammy

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