foi domingo


Ficou-me o dissabor. Fumo só mais um cigarro, que o vinho acabou e o borrego assado no barro já vai longe. Tenho uma ligeira dor na cabeça, acima da nuca. Por vezes penso: é a última vez. Mas é sempre a última vez da vez anterior, e as vezes

(como a tabuada que nos ensinavam naquele nefasto antiguamente)

são uma cantilena que se repete, para não se esquecer.

Há quadros com rostos na parede. Rostos que ora permanecem por hábito que o tempo não erode, ora se desvanecem por já não perceber o que representam, tanto quanto o papel mate em que os imprimi, desfazendo-se num amarelo de tabaco, ali, ao lado de tudo

(ao lado de mim)

como que caricaturas do meu desejo e da minha ternura.

Uma hora em que tudo se esquece e sou esquecido. Com o permanente cliché

(outra vez a mesma patetice)

do findar do dia em solidão. Sem pardais chilreando no recolher. Mas no assobio contínuo do melro. Na luz que difere porque o céu nublado, mas, mais minuto ou menos minuto, acabará para o longe horizonte, sobre o mar que também se acanha

(e se comove?)

deixando os prédios da vizinhança sob a crescente penumbra.

Os cães latem – não têm que fazer mais que isso, aos domingos. As estradas enchem-se de trânsito dos que regressam dos passeios familiares, ensaiando o caótico de amanhã, logo cedo.

Eu promovo o meu sono. E aquela sensação de não querer saber de mais nada. Só a forma de tentar

(em vão)

remover o dissabor por ter sido mais um domingo, ao entardecer, quando parece que nada mais há para lá ou para cá do escuro que vai conquistando um império de pesadelo.


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foto de Vladimir Osaulenko

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