a sétima insónia
E é quando, finalmente, me sento no sofá reparando nos móveis brilhando impecavelmente sem pó, o chão limpo dos meus cabelos caídos durante a semana, a parede com outros retratos, um quadro que vi na rua e adorei, o ambientador com um perfume que se nota porque é novo, os vidros tão transparentes que a luz do dia entra obliqua e no ar nenhuma cintilação de poeira pairando como minúsculos pirilampos, a roupa lavada e seca, passada e arrumada nos armários, a cozinha no seu cochicho de frigorífico, escurecendo sem qualquer loiça por lavar ou guardar; quando ligo a tv e nada de novo
(nunca há nada de novo aos sábados),
mas deixo-a ligada pela claridade que ambienta, com as nuances de cores que encena, e mais jogos de luz ora intensa ora amena e as sombras dramáticas intercalando. Tiro-lhe, porém, o som por completo, e o silêncio combato-o com um dos discos de jazz a rodar nas 33 rotações do aparelho de som com tantas décadas, um jazz suave, de notas esticadas, longas faixas de muitos minutos; olho o volume grosso do livro que comecei a ler na passada quarta-feira
(na madrugada da quarta-insónia)
mas que não me apetece agora retomar, olho de esguelha para o telemóvel pousado sobre a mesa de apoio limpa das revistas que trago durante a semana e não lhes toco, acabam na reciclagem, o telemóvel escuro de tanta mudez, penso em percorrer os dedos numa qualquer rede social, a ver se há algo de novo
(nunca há nada de novo aos sábados),
e nem sei qual escolher
(penso, ou imagino, apenas, que o telemóvel continua pousado, escuro e mudo)
são tantas as contas de redes sociais que abri à procura de gente nova quantas são as aplicações que o dispositivo, cansado, aguenta com o lamento
- Uma limpeza também faz falta aqui, senhora!
e é quando assim estou, quando chego ao sofá após estafar-me em ter o apartamento apresentável
(a quem o apresentarei?),
depois de uma semana não menos estafada de arrelias, que sinto finalmente o sábado; digo
- Hoje é sábado
esquecida de tomar banho, olho para a casa engolida pelo crepúsculo e confiro:
- Sim, é sábado e, invariavelmente, estou só. Não sei por que me dou a este trabalho todo…
acabando por adormecer, sob a transpiração de tanta limpeza, tanta arrumação. Durmo umas boas horas, que o corpo tem pedido muito descanso. Porém, já madrugada alta, em que a bexiga torna desconfortável o sono, ergo-me estremunhada do sofá, a cheirar não sei bem a quê
(o suor que, entretanto, secou na roupa de trazer por casa feita numa rodilha),
e entro na casa de banho ao mesmo tempo que no domingo, com a mesma insónia que me arrastará até à próxima sexta-feira, esse portal tão mágico para um novo e promissor fim de semana.
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foto de Nirav Patel
foto de Nirav Patel
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