interpelação
Então e tu, ó criatura por ignomínia não me quer apartado do tormento, ó semblante estranho com melena e olhos nórdicos, queixada gorda de peixe do sul, nariz inusitado de tribos africanas; tu, capaz de glória e infâmia, crente de ser vítima de amor e de humilhação, tu que a velhos não concedes onde eu fui excepção, tu que foste atribulada pelo desespero, tu que dizes teres passado pelos anéis de dante, tu alfinetada, tu dos sonhos sobre corvos que exigem da noite a morte dos gatos caídos sem felina graça, sem lágrimas que lhes façam compostagem; tu, ó das tochas acesas por não haver dia, só túneis alegoricamente construídos por toupeiras cegas, cega tu, ó criatura que fazes do teu meloso corpo o altar dos infelizes, que fumas o encanto e o desencanto, tu que formas a gelatina das mentes ainda imberbes; tu, ó solitária aglutinação de gente feita à indulgência remetendo para a resignação o parecer e o perecer; tu que desmentes quem te diz crua verdade, tu que sacrificas o tempo que tiveste, tens e terás para quem nunca de ti foi sequer miserável amante, advogado ou profeta? Não permaneças na espera, sê alguém que nunca foste, alguém que, na encruzilhada, há-de tomar agora, sem nunca, o caminho imaculado para a redenção. Tu, ó cristo de causa própria sem cruz nem unguentos, ó tu que só quiseste servir sem haver deus!
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foto de Aleksandr Shvedov
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