chama-me pelo nome


O ano cai sobre as suas raízes apodrecidas. Delicadamente o humor da terra prepara a vida para depois da estação velha, fendida a frio e a plumas de neve. Os calendários reiniciam os ciclos após o solstício de inverno em que a penumbra desceu o seu peso sobre os olhares, os sorrisos e os gestos. Caminham agora os dias vagarosamente para jornadas mais abertas, cumpridas nos mostradores dos relógios do ano nascituro, como promessa maior. E, entretanto, o mundo. Fendido pelos humores da humanidade, pela redundância da fraqueza social. O mundo que se recicla numa indiferença de tudo e tão ambígua: renascem as fontes, multiplicam-se sem se esgotarem os insaciáveis. Jogam sem regras a cabeça dos outros. Jogam e perdem. Perdem e tornam a jogar, perdem novamente e oprimem. Nunca se vencidos. Sempre por vencedores. Os que ditam a história. Quando for a morte despenhando essa avalanche de grosseria, e as fontes recuperarem o sentido dos ciclos que se renovam, aí estende a mão na frente do teu mais virgem sorriso. Ergue a voz para inundar o mundo. Solta os cabelos para arejar o tempo. Quando for então a vez de se abrirem os olhos, chama-me. Quando forem os vencidos. Quando os espelhos restituídos.

Quando se reescrever a história, chama-me pelo nome.


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foto de Maksim Salikhov

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