pó
A entender-me com o pó da casa onde fomos. Esconsos de luz derretidos na ruína dos estores. Um baralho de cartas de jogar: as duas primeiras com vincos de tempo, como que crispadas, zangadas pelo seu não uso prolongado ou, simplesmente, da aflição do vazio varrido por anos.
Esta particular escuridão, arreliada pela afronta do gesto de acender um cigarro. O fumo que intenta magia ou nevoeiro fantástico pelas frinchas onde a luz do dia sempre espreitou ilumina o fantasma de ti. Espectro das memórias com o teu nome que esta casa lamenta. E há um bater das portas. Mas, se nem fechaduras nem dobradiças oleadas, ou sequer portas inteiras, corroídas pelo furar do caruncho, por que batem? Nem mesmo uma leve corrente de ar, dissimulando o mofo.
Apenas o pó. Para quem batem as portas? A minha única intenção
(a saudade, dizem… ah saudade, essa dissimulada)
é simplesmente entender-me com o pó. Sem lhe mexer. E averiguar. Disseram-me que os mortos se desenterram para averiguar. Que se converteram em pó. Ou, não raros casos, os corpos que ainda pedem ao tempo algum tempo que o tempo já não tem, e insistem numa aparição de cera quebradiça. E esses demoram, teimosos
(como tu)
a aceitar que já são só cinzas, escombros, ruínas.
Portanto, em fantasmas não acredito. Podes fazer bater todas as portas. Eu também baterei definitivamente aquela da entrada que ainda se mantém inteira, e que me permite, pelo som seco dos nós dos meus dedos, a esperança de uma resposta à silenciosa intrusão
- Está alguém em casa?

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