não sei quê
Estava quase a não sei quê. Veio o sol manhã cedo, vi o rio a espelhar aquele azul estranho deste ainda outono a inclinar-se mais para o inverno. Contudo, foi uma manhã desse azul, como quem diz esperança sem a daninha inveja do verde. A cidade, esta cidade cheia de gente, onde fui respirar o mais puro dos menos impuros ares cosmopolitas, vi cinco cêntimos que alguém depositou no chapéu de um mendigo que tocava guitarra sem pedir nada ou sequer falar.
Depois, observando a praia dos veraneantes à beira-rio que agora acolhe centenas de tufos verdes de erva daninha. Não tive epifania, um mero título que fosse, para exprimir o que sentia. Apenas que estava quase a não sei quê. Entretanto, nesse passeio, dei conta que por dentro da braguilha
(bem mais fundo)
o corpo dizia-me que os rins e bexiga continuavam de boa saúde. E que apenas precisava de um canto, entre algum arvoredo, para deixar o meu testemunho no território por onde passei, sem querer causar estranheza ou provocação a quem depois o pudesse cheirar, com o húmido olfacto, naquela manhã fria.
Sacudir é um acto condicionado para quem não deseja marcar território em sua própria roupa interior. E agi conforme os lugares-comuns que dizem onde um de nós logo dois ou três. Mas era só eu. A não ser que considere aquele cavalo solitário como um par meu, crinas sob o ameno vento, os olhos negros a perceber a maré do rio. Maior do que eu, ele desfaz a necessidade urinária num pequeno riacho, e ainda levanta a cauda em contracções, como se ele também sacudisse. Segui na caminhada sem agir conforme o que o pensamento aferia após aquela imagem. É que, na circunstância de estar quase a não sei quê, sabia lá o que fazer.
Foi então que Ella cruzou comigo. Ela, com todos os nomes, pronomes e adjectivos. Ella, ali surgindo, em marcha de exercício para tonificar ainda mais os glúteos, exultando sua imagem de mamas e curvas, entre mim e o cavalo satisfeito. Dizer que estava como o cavalo só porque fiz metade do seu feito, e por ter dado contributo de formiga para as vagas do rio, seria um exagero. Porém, ver Ella passando por mim ofegante, bastou para que eu desejasse ou pudesse inundar um mar, toda a periferia de um continente, a dar conta que por ali era o meu território.
A questão é que Ella, ofegando plena, não deu por qualquer cheiro: nem sequer me olhou. E, quando com meia-volta volvi, desapontado, percebi que em mim nem sequer do cheiro a cavalo me encharcara. Pelo que estive quase a não sei quê.

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