a virgem de seu senhor
Há qualquer coisa que acaba sem haver pedra desmoronada porque o musgo calça. É uma argamassa de natureza viva que não deixa apartar a tosca pedraria dos muros em conjugação. Começou o fumo a subir desde as chaminés e nem por isso faz frio que mereça tamanha combustão. As folhas caídas numa humidade que me incomoda. Deviam ser caídas e quebradiças, pegar-lhes na mão e sentir que se estalam, em migalhas, pela força dos dedos. E eu filtro até ao pormenor de tudo quanto vejo de passagem, que já filtrado vou pela ténue luz de novembro quando não chove. E isto significa que nem árvores redondas nem pássaros discutindo a vida na sua verborreia de chilreios. O meu passo acelera. Quero voltar. Ali, aonde sempre estive. Aonde os livros me esperam, e a toada silenciosa do papel alvo que grita e grita, e grita, gritando constantemente por mim como os infantes de leite que não sabem ainda como dar conta do seu sustento. E são lombadas, sombras com letras timbradas, aqueles livros como gatos de companhia, sem ronronarem, sem olhos expressivos para lá da janela. Agora, quase que corro, de passo tão aflito. E transpiro. Transpira a ténue névoa também, que os paralelepípedos graníticos da rua me parecem escorregadios de humidade. Abro a porta, e logo acendo o cigarro. Também ele esperava por mim, ciumento por outras combustões. Está já escuro cá dentro. Há qualquer coisa que acaba, por haver esta escuridão. O negro cego quebra tudo, despedaça em sombras os perfis e as arestas das paredes. Não quero, não sei, não vou acender qualquer luz. Ali na mesa, os gritos surdos do papel alvo. Sento-me, a descansar as costas. Rompo com o calçado que trouxe a rua cá para dentro. Dispo o peito. Aponto os mamilos. Minhas crianças, meus infantes que nada sabem como dar conta da vida: podeis mamar finalmente. Sossegai, não é necessário que gritem. Já cá estou, para o poema. Bendito papel alvo, a virgem de seu senhor.

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