close up
Ela entrou na casa de banho e fechou a porta. Retirou com violência as fotos do álbum e colocou-as num vaso de alumínio. Verteu meia embalagem de álcool etílico, pegou no isqueiro do fogão e acendeu-o. Levou a chama vigorosa ao vaso e logo um fogo quase etéreo, azulado, tomou conta do côncavo da bacia.
Quando o papel das fotografias cedeu ao calor, as imagens começaram a distorcer. A chama azulada transformou-se num tom laranja leve e depois mais forte, com fulgores de um quase vermelho. E saiu muito fumo, espesso.
Ela abriu a janela enquanto o papel crepitava sob o fogo. Dali a momentos conseguiu ver a cinza das imagens como se fossem de um passado que ela nunca poderia ter vivido. O assombro que teve por ver o seu rosto, em close up, numa das fotos queimadas, ali derretido daquela forma – a cor viva dera lugar a um negro de escombros – provocou-lhe muita angústia e, ao mesmo tempo, o dissabor da auto-comiseração.
Assim que as chamas desmaiaram, e quando já não havia mais fumo – só o odor forte – ela esmagou as cinzas com os próprios dedos. Pulverizou o ar com um ambientador de alfazema. Saiu da casa de banho. No quarto, acendeu ainda uma vela de incenso. Devolveu o álbum vazio de fotos ao mesmo sítio de onde o havia retirado.
Regressou à casa de banho e fechou a janela. Deitou as cinzas pela sanita e descarregou o autoclismo. Lavou as mãos e o rosto com sabão. Olhou indiferente para a escova de dentes por lhe ter dado preguiça. Saiu, fechou a porta, e foi deitar-se na cama. Só no dia seguinte, de tão arrependida, conseguiu chorar.
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(foto gerada por inteligência artificial)
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