mar de inverno
Diz-me com que palavras fundamento a razão e digo amor, tendo nos teus olhos qualquer hora da madrugada, enquanto o crepúsculo define agora as fronteiras com a jovem noite. Eu seria acorde dedilhado pelos dedos lentos que nas tuas mãos se havia de compor; e dos teus lábios uma melodia havia de se ouvir, como que a instruir plateias. Seria eu, serias tu, se fosse o mundo dos avessos, num de vez em quando que nos desligasse desta realidade em que, por apartados estarmos, vivemos. Bastava uma gota de sal, cumpridos os humores, delicada entre o gin. E uma meda dos teus cabelos recebendo a paixão dos meus abraços. A noite não seria a que vem, nem a madrugada teria densa escuridão. Teria a voz tropical de Caetano, em ar de verão do outro lado do hemisfério, a dizer devagar a fervura do sangue em noites quentes e claras. Diz-me com que palavras, senão com que gestos (lentos, isentos de qualquer tempo verbal), poderei eu fundamentar a razão e dizer amor. Pelo menos enquanto este mar de inverno não se finda e tudo se esqueça, esperando pela verdade definitiva do que somos.
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(foto de autor desconhecido)

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