setembro


As chuvas de verão na vez do crepúsculo e, mesmo assim, ainda o crepúsculo. O aroma da terra a trazer o aroma do outono com as vindimas fartas, dentes-de-leão nos prados a predicar o horizonte. O papa-figos em visita antes da próxima migração. Oliveira tu, que dás o óleo para as bendições. Que me recebes como as mulheres das películas a preto e branco de Antonioni. Na janela um rosto virado para o que o princípio da noite cerca. A temperatura baixando, estrelando a abóboda, quando a latitude se inclina, dia após dia.

Miúdas e miúdos na rua principiam pueris namoricos. É curiosa a forma como setembro se assemelha tanto a março: coloridos ambos, o segundo a receber o fruto, o primeiro ainda a colorir a folha, antes da flor. Ambos nessa tez com que os românticos poetas de oitocentos declamavam seus sonetos exacerbados, entre pautas de piano. O coração é um músculo contente, se o alimentam. Estamos lá, entre eles. Somos miúda e miúdo como as miúdas e os miúdos na rua, subentendidos. Porque viver é não ter qualquer idade, excepto ser-se miúdo perante o medonho tamanho do mundo.

Deixei de viajar só no carrocel. Tu existes, sempre estiveste onde havias de estar. Metheny em posfácio celebra essoutra viagem que agora temos. Unidos, teremos todo o outono para nos entendermos. A figueira como alimento, a romã virá para brincarmos. Miúdos já fomos outrora, colhendo o escarlate das folhas que acabavam adormecendo, estalando sob os nossos pés. Hoje: há este homem e esta mulher, assistindo à agonia de um verão que nada mais tem a acrescentar.

Caiu a sombra agora, sem fantasmas, sem armadilhas. Uma sombra que nos tapa os olhos de imensa dioptria, mas deixando-nos o vagar nas pontas dos dedos, como outra visão. Que é quando me tocas no peito e eu no teu ombro. Há, neste escuro, os beijos prometidos e os proibidos. Não façamos caso disso, nada importa o pudor, a inglória moral. Apenas que subiu setembro, fazendo-nos render ao que somos. Ainda o amor comprometendo os nossos corpos enovelados e, depois desse amor, outro amor que vem para nos indagar, rosto com rosto, mar com península, o chão do milho com a primeira espiga: vens comigo?


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foto de Natalie Seitner

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