
Sirvo-me do teu silêncio em suaves goles de vinho, enquanto permito que o teu olhar me invada com carícias de sombra. A noite instalou-se morna, rendendo-se ao predicado do teu rosto. Eu escuto o seu sibilar, canção murmurada nas ruas, nos vãos dos prédios, na margem poluta do rio. Encorajas-me de ombro nu, onde um beijo ilustraria esta vontade tímida de te ter. É, porém, o recorte de mistério nos teus olhos que me faz transpirar, denúncia o meu desengonçado jeito. Deduzo pelo entreabrir dos teus lábios que carícia te faça cerrar as pálpebras, e com que palavras te possa provocar. Sorves a noite no mesmo vagar com que eu esvazio o copo de vinho, e eu de beber aflito contando que os meus movimentos não me traiam, ou que qualquer distração te liberte dessa tensão de me seduzir. Atreve-te, argumentas apenas com o olhar posto em mim. Com fome dos teus lábios, que mordes, aguento-me. As tuas palavras sem voz que solte murmúrio. Os meus dedos empolgados, quentes. Acrescentam-se verbos e substantivos. Todas as canções. As belas epopeias. O primeiro toque das mãos e, enfim, o abraço que abre um mundo. Vibram as horas uma, duas, três e tantas vezes numa qualquer torre sineira. A janela aberta para a aragem, os lençóis testemunhando o quanto desta entrega que o vinho desinibiu. Sobe a pequena luz da alvorada. No teu rosto adormecido ainda o mistério. Entraste com a madrugada no olhar e agora saio eu com o sol na alma. Até logo.
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foto de Aleksandr Kolbaya
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