a negra testa


A negra testa de tanto lhe levar as mãos ardidas em desespero. O rosto molhado pelo suor de cavar a terra queimada. Uma gota que cai, da curva do queixo, sobre o pó negro. Um milagre, pede, carícia para mais que uma centena de olhos. Escuros, e porém doces, quão doces os olhos escuros das ovelhas parindo os cordeiros. Lambidos, afinal, para este sacrifício. A gota caída do rosto para a terra. No pó. Pó como pele velha que a mesma terra desejara renovar, deixando que as chuvas lhe fizessem o favor. Mas foi o vento mais cruel, amigo do inimigo. A mão na testa que não sabe impedir uma árvore em fogo, conduzindo a um discurso que não se quer, lamentos e raiva de coração à boca. Por forçado a perder o que meses antes lavrou, semeou, mondou. A gota do rosto, do suor do rosto caída. O pó que a recebe transformado, microscópico mundo, numa nano-cratera. Tudo parece o que nunca viu da lua. A gota do suor é uma lágrima, de quem chora o seu mundo. Abandonar então a casa onde era suposto haver qualquer coisa parecida com um jardim onde flores e ervas medrariam, mesmo que bravias. Restou cinzas. Um imenso cinzeiro. Nem pedra sequer: tudo se agiganta negro, a negra testa de um homem que perde o suor na terra queimada, a terra que lhe lamentará a semente na próxima sazão.


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(foto de autor desconhecido)

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