um melro pousou
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Alberto Caeiro in O Guardador de Rebanhos
Um melro pousou em frente da minha janela. Esquece essa ideia de que o pássaro, por ter plumagem negra, seja afecto de mau presságio como corvo versado por Poe: é ele antes uma ave de bico amarelo pelo qual deixa fluir o seu assobio com belas melodias, as intrinsecamente mais nostálgicas, inerentes ao render de todas as tardes, nos seus crepúsculos coloridos ou mais grisalhos como este sábado que, ainda que erguido em sol pela manhã, entendeu esvanecer-se com sombras das nuvens antes da já muito tardia hora com que a noite, instalada, ordena que as janelas sejam cerradas
(ditando recolhimento aos corpos dos que ainda se amam a prolongar um serão sem colheita de um sono que se impõe mas que é adiado, quando o mesmo sono surgirá só na madrugada insone para um despertar lunar com reduzida energia).
O melro pousou em frente da minha janela e assobiou assombrado, nesse medo que sente dos homens, e de negras circunstâncias que só nisso a sua plumagem pode agoirar. Assim eu conheci o mundo, e desse mundo soube muito de mim e pouco menos de ti, que és o que me sobra de qualquer coisa que alguns ainda dizem
(garantem)
ser motivo de felicidade. Atende ao meu assobio, com a metamorfose dos meus lábios num bico amarelo.
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(foto de autor desconhecido)
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