poema para esta primavera


Poucas histórias restam dos escombros passados a pente fino
(disse o jornalista)
e o facto é que, em boa verdade, nada há mais para contar
senão o que se recolheu à aridez da terra, ao salgado do mar,
ao crepitar das chamas.
Ficou a música, ou estas simples e breves notas de um piano
em recital de resumo – como tudo é somente o acorde do piano
enquanto outros sons são as aves gritando.
Restou a poeira, a cinza, rostos lavrados de branco para receber
a semente da surdez.
Nenhum caminho se aponta, as encruzilhadas multiplicaram-se
(continua dizendo o jornalista)
e uma mulher chora, as suas lágrimas limpam o rosto como
marés vivas tolhem os detritos deixados na praia.
Para ela, surda, inquieta, com os farrapos da roupa que o vento
ainda lhe quer arrancar,
há o mínimo de esperança no caminho que percorre. E lembra-se
das palavras do avô que partiu há tantos anos
(era ela uma menina, cuida o jornalista de referir)
quando esse avô lhe dizia que em todos os cantos do mundo
há borboletas que conseguem renascer. E da ténue memória
que esta mulher ainda tem da infância, desse avô que isto lhe dizia,
ela sopra baixinho, enquanto caminha sem cansaço:
- Dou-lhes vagar, às borboletas,
(era um dia de sol, constatou o jornalista)
pois as suas asas são frágeis, desfazem-se como a textura do bolor
nos dedos curiosos das crianças.
E a mulher, surda de tanto grito e de tanta explosão, caiu.
Breve caiu. Depressa e súbito se reergueu, porque decidida estava
em cuidar que nenhuma borboleta havia de ter suas asas desfeitas.


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(foto de autor desconhecido)

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