gestos da primavera em mim


Deixei que o inverno se esgotasse sem levar de ti um afago que servisse de consolo a esses meses que passei sem ter a oportunidade de te ver. Tu sempre alimentaste de sol o meu rosto apenas com o olhar. Neste março que nasceu mansinho e tímido, imprudente a concordar com a brisa que se faz ainda de golpes gelados afectando o conforto dos corpos, basta-me recordar a doçura com que todos os dias me aquecias, de olhos postos em mim a lamber carícias para que ficasse indiferente aos enganos e desenganos climáticos, e me sentisse estival, com o teu odor de terra quente do solstício de um verão ora já afastado, ora ainda longe.

Agora sinto que tudo vai crescendo em volta, sinalizando a decadência do inverno que, mesmo a dias de nos deixar, insiste em geadas escarninhas, nevões impostores e chuvadas mesquinhas. Diferindo dos meses escuros porque em março as águas são mais claras sem sombrear o verdecer dos prados e das árvores. Os dias, que ganharam largos minutos, vão empurrando a penumbra do que ficou lá atrás, cuspindo as noites de solidão para lhes dar outro ânimo e mais agitação. Pode ser que esse esquecido afago de ti não seja mais a antiga migalha de um abraço de consolo, e doravante seja a promessa de um desfile dos beijos prometidos, do entrelaçar ternurento dos nossos dedos, da volúpia desenfreada dos nossos músculos.

Até que assim seja, quedo-me muda e atarantada com os modos, os sinais e os comportamentos que acabam por embaraçar-me, desprevenida. Aprenderei a não os temer nem desconfiar da natureza do que sinto por ti. Que será concreta quando enfim te confessares seduzido outra vez e preso pelo meu olhar ousado, com o desejo que ambos teremos dos nossos corpos em uníssono. Então dir-te-ei que tudo isto, meu amor, são tão só os gestos renovados da primavera em mim.


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foto de Tina Ruzina

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