encruzilhada
Ele sabe. De todas as consequências das suas palavras, dos seus actos. Sabe também que nunca esteve, que não quis saber, a não ser quando precisou de ti. Sabe, obviamente, o quanto mentiu, das promessas e declarações de amor que fez em vão, sabia que não as sentiu verdadeiramente, como quem realmente ama. Ele sabe, talvez até tu poderás saber menos do que ele quando o quanto ainda agora permanece, aí bem dentro de ti, a ténue linha de esperança de o teres de volta. Porque, apesar de ser distante, ele conheceu-te. Portanto, ele sabe, e sabe de ti.
Saber de ti, porém, não significa que sempre soube. Por te perder, percebe agora quem és, quem sempre foste, quem querias ser com ele. E disso, o quanto ignorou, fingiu. Se quiseres, podes dizer que sempre fugiu. É que, pudesse ele saber de ti, não sabia de si próprio. Fugia do que queria, do que procurava sem mexer uma palha para realmente procurar. Ele pouco sabia de si. Foi dando-se ao acaso, e por acaso chegou a ti. Ele nunca acreditou que pudesses ser real.
E não foste a sua realidade, diga-se. Foste uma consequência, um acaso que se cruzou no seu caminho sem destino, numa espécie de encruzilhada em que, indeciso qual trilho tomar, ficou a ver como era. Como eras. O que lhe dizias, e se acaso eras tu quem decidia o seu caminho. Algumas vezes deixou-se ir, como que varrido pelas tuas mãos, pelo teu entusiasmo. Depois, desistia, queria voltar à encruzilhada, a ver se outros acasos como tu pudessem abrir novos caminhos.
De cócoras na mesma encruzilhada onde nunca soube que trilho escolher, esperou dias e noites, acabando por ceder ao cansaço, deitando-se em posição fetal como que a pedir ajuda para nascer. Quis muitas vezes renascer, é a verdade. Subiu a sua montanha interior, para ver tudo de uma outra perspectiva. Via-te, constantemente, como único vulto a meio de um horizonte sem distância. Questionou muito o que poderia haver para lá de ti, e para lá daquela distância. Teve medo umas vezes, noutras sentiu que tinha de colocar os pés ao caminho. Andou, então, andou muito. Sem dar conta como, acabava na mesma encruzilhada, e repetiu a subida àquela montanha para perceber que o horizonte não se esgotava, mas onde permanecias de permeio, de braços abertos.
Ele sabe. Nada do que se disse, porém. O que ele sabe agora é que te perdeu. Quando hibernou em toca de toupeira cega, e depois sentiu o aconchego do sol na abertura do buraco onde se quis enfiar-se, foi pelo seu chamamento interior de renovação. Que, daquela vez, dizendo a verdade, dando o nome às coisas e às circunstâncias, ele podia resgatar o que não fez por erros acumulados no passado. Ele aprendeu. E quando estava preparado, já não havia horizonte sem distância, nem tu de braços abertos. Portanto, ele sabe. Sabe, inflado pelo seu orgulho, que tu, afinal, não o merecias. Que devias esperar sempre. Por isso, agora já não está onde porventura poderias ainda espreitar.
Disse adeus sem nenhum aceno. Ele sabe. Tu sabes. Ambos sabem que entre vós foi apenas uma dormida rápida, atribulada entre sonho e pesadelo, de conquista falsa, porque é tudo tão fácil e ao mesmo tempo inalcançável, quando te prendes a uma ideia, a um sentimento que nunca houve, que apenas sonhaste. E dos sonhos, garanto-te, ele sabe tão bem, e como livrar-se deles, para que, nunca encontrando o que sempre nem quis procurar, poder encontrar a sua paz.
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