em cama fria
Queria a calma manhã para escrever-te o chilreio das aves pequenas ou o recolher ainda ululante das rapinas nocturnas. Dar-te o acordar do céu envolvido no mesmo halo dos teus olhos. No prado, o balanço e o friso dos fetos que se espalham, e a fauce das flores na descoberta das suas corolas.
Queria o teu sorriso e as tuas mãos brancas assegurando que o mundo é afinal e ainda o melhor sítio para tomar a vida. A ondulação de oiro do teu cabelo num abraço para lá do todo.
Queria os nossos gestos na vez dos fonemas ou, se necessariamente com palavras, um andamento lexical sem indicar por quais caminhos seguir ou influir sobre a nossa condição futura – apenas as dos sons chegados à terra intercalados com os assobios matutinos dos melros.
Queria a brisa amena sustentando o voo das borboletas brancas, o aroma denso do tojo por contemplação da magnificência das montanhas desmaiadas de amarelo no horizonte.
E queria o brilho do sol e a sua macia temperatura primaveril em auxílio do sangue que me percorre as veias.
Tudo tão rebuscado, uma tontaria tão adjectiva, dirás. Eu sei: ao despertar percebi, sob a pressão do peito e na subida angular das lágrimas, que o meu corpo se havia resignado em cama fria.
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(foto de autor desconhecido)
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