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Aquele lençol estirado com o vento lembra qualquer coisa, um sonho talvez, talvez o papel com meia-dúzia de rascunhos, um livro, e garganta nenhuma a doer, afinal nenhuma febre, afinal apenas o gosto acre na saliva e, porém, insiste o precipício na curva dos dedos, a mulher enlaçada pelo lençol agora agitado pelo vento, o lençol da cama com bordados primaveris que a faz sonhar com o útero em fruto e os olhos postos sobre prados verdes enquanto acaricia o ventre entre saliva, mas uma voz (alguém) argumentando que A floração só daqui a uns meses, minha senhora, pelo que lhe sobra apenas os bordados ao ar, ela quase estirada como quanto vai o cigarro diminuindo numa correria de só queima-dedos, precavendo os pulmões, uma vez que quem o fuma é o vento, que tão irritado uiva por saber da modorra dos gatos deitados sobre um pedacinho de papelão, antes servido como requintada loiça de rua para uma fria refeição, porque os gatos, tão esquisitos, sacodem as patas quando algo os esquenta demais, e o mesmo fazem com a água, a água, vem sempre a água, e nenhum copo senão essoutro entre o tabaco e um piano em desalinho, as puídas unhas amarelecidas parecendo paredes velhas ou outro sumo arenoso, embora também enegreça o bruto granito dos fontanários antigos, esculpidos a pó e cuspe sobre o cinzel vaporizando olhos ardidos porque afinal a poeira, porque afinal água nenhuma, porque afinal foi engano, Há que arder em febre, meu amigo, é precisamente assim que arde, sempre a sede no copo que não há porque aquele lençol estirado pelo vento a lembrar tudo, mesmo as palavras pensadas para esquecer, Quem quer palavras que são para coisa nenhuma?, o baldio entregue à lama, os nichos empapados de mijo e esperma – era onde se mijava e fodia – a mulher com a bacia a recolher a roupa dos arames, com tanto desalinho do cabelo, ela tão carente quão afrontada – vê-se bem nos mamilos espetados sobre a malha que veste – pedindo, insistindo ao companheiro Enfia-mo até o sentir nas goelas, posta como os gatos nas quatro patas, esses tão sempre atentos a tudo, lançam os bigodes para farejar o que aí vem e, outra vez, a mesma modorra à cara-podre, gozando com os uivos do vento que, mesmo tão desvairado, não os assusta, porém faz temer a mulher atravancada com tanto embrulho e, afinal, sem a goela moída, que a espinha de peixe do almoço não deixou, foram duas colheradas de arroz branco e ui!, quando tal engasgou-se com o café, para o qual entornou um cheirinho, a alcova com manchas leitosas denunciando pouca destreza do macho que pudesse fazê-la cumprir-se nas goelas como desejara, pelo que só as molas a pôde prender pelo cabelo enquanto o rádio desvia a sintonia para um branco muito sujo e gutural, entretanto surge um relâmpago na amplitude da varanda com os arames já nus e com tanto frenesi que à mulher causa inveja, vê ela o lençol então derrubado no tapete da entrada da sala onde o macho sorve cerveja frente ao ecrã, para que, ao som de trovoadas, tudo isto – pensa ela e diz o vento – tudo isto para, tão só, narinas, ventas, os gatos indiferentes na sua modorra, sentir o anúncio premeditado, como relógio de ponto a anunciar Lá vem tempestade!

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