narciso



Desejei nunca aparecer. Nunca.
Quis de mim ao nascer a penumbra.
Roxo, me deixei vagir. Foi a última
vez – não quis mais som de mim.
Soturno, mama logo rejeitei;
os demónios adulei e, ainda anjo
pequeno, insultei o serafim
quando sua espada m’ aquiesceu.
E disse nos infernos, e no alto céu:
deus onde houver sou só eu.
Assim levei décadas e anos
para não ser o que supunham.
Se há segredo, só sangue dos anhos
conseguiram. Nestas paredes
cirandam as palavras
que todos lamentam, e todos cantam.
Ó bobos da corte, só eu reino!
Das minhas mãos a espada aleijo
quantos me querem rir e falar.
Eu não, nunca de mim.
Subo à torre de narciso
e apenas relampejo o olhar.
Destruo e construo, destruo outra vez,
e mais uma e ainda outra,
e assim hei-de voltar
aonde fiz por não aparecer.
Não me cantem: os coros
vossos ouvidos hão-de endurecer.
E quando no negro me entregar
guardai vossos lamentos e choros.
Eu nunca fiz por cá ficar, 
eu nunca quis aparecer.


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foto de Konstantin Pobilojs

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