MILF
Não aceito que ele me toque. Ele, o pai dos meus filhos. Não aceito, não consigo, não consinto os seus dedos, as suas mãos sobre o meu corpo, sequer um carinho pelo meu rosto. Não lhe suporto o abraço, os lábios dele contra os meus. Dão-me nojo as suas insinuações sexuais. Quero dormir sem o sentir na cama, evito a conchinha que desenhamos em vinte e tal anos, e revolvo-me, rebelo-me na cama que ele também ocupa, acabando as madrugadas insones para adormecer vencida, à última da hora, sentada no sofá da sala.
E isto tudo porque tu, inesperadamente. Tu, inesperado como as ressas de sol após intensas chuvas, fazendo o dia terminar claro e limpo, o crepúsculo em fabulosa gradação colorida. Cada cor na sua intensidade a compor os mais belos acordes, quando os olhos pretendem ouvir, a pele ousa cheirar a humidade deixada sobre a terra, os ouvidos quedam-se atentos às vibrações da escuridão envolvida, e o meu nariz, tão pequeno, inflado do rasto que deixas, invisível aos outros, dentro do meu peito, colocando a minha cabeça à banda, obrigando os meus pulmões a suspirar.
Tu, apenas um miúdo que eu podia ter visto nascer do meu ventre, após a dolorosa espectativa que se tem ao parir. Tu, um miúdo crescido como o meu filho, com os mesmos trejeitos do meu filho, aquelas mesmas patetices inerentes à incompleta maturidade, a sentir rebeldia sobre os mesmos temas, em contraste da relevante equidistância sobre a rebeldia que eu tinha, a de toda a minha geração. Tu, como se fosses o meu filho, ou o filho que tanto amo, a quem sempre darei a vida, como se fosses tu.
A aflição que é, saberás entender? Pulsar este coração adolescendo após tantos anos, por imaginar-te, por relembrar os pequenos momentos em que estamos juntos, saber do que te atormenta e que a mim, como se fosse possível, só me enternece. Saber dos teus lábios laborando o teu discurso enquanto os imagino tão levemente junto dos meus… Depois, todo esse cuidado que tens para comigo como se eu valesse alguma coisa, numa altura em que comecei a duvidar se alguém ainda pudesse ver em mim a princesinha que quando menina sempre desejei ser, alvo do desejo dos outros, cobiçada…
Tu, um rapaz imberbe que daquela vez se ofendeu por mim na rua após um piropo dessoutros homens de barba rija, que podiam ser o teu pai ou o teu avô, a fazer-lhes frente, e que apesar do ralhete infeliz que te dei, a dar-me ares de senhora que sabe muito bem defender-se, tu teimando que nenhuma mulher pode ser assim tratada… Confesso-te, meu querido, que afinal sou senhora nenhuma, nunca soube defender-me das intenções machistas, às quais o meu marido acabou por me habituar. Sempre corei a cada piropo, a cada intenção carnal dos homens.
Contigo nada disso sucedeu. Tens a vida toda, metade da minha que queria tanto reconquistar. Carregado de pureza, de inocência, de uma doce ingenuidade embora tão maduro te revelas nas nossas longas conversas. Devolveste-me a alma, o sentido de ser uma mulher, de fazer sentido ser mulher, de ainda saber que faz sentido seduzir e deixar-me seduzir. Porém, quando tu todo consciente e confessando como te afecta essa pulsão carnal de um jovem perante uma mulher madura como eu, recuei. Aceitei o que me disseste – esse amor confuso – e lacrimejei por te achares pateta nessa condição, quando todo o meu desejo, corpo e alma, tem tanto sustentado os meus suspiros. O meu desejo de ti.
Mas fui cobarde para corresponder ao mesmo impulso. Primeiro, com medo de magoar-te, quando a mágoa é inequivocamente minha, porque, menos do que me ofereces, eu só posso fantasiar. E disse-te que era preciso saber bem o que é isto entre nós, não precipitar as vidas de cada um só porque o coração de ambos pulsa mais quando estamos juntos e se sente traído quando não nos vemos. Tu também aceitaste que devia ser assim, mas acabaste por pedir desculpa por não teres tido a coragem de avançar sobre mim, quando horas mais tarde te confessei que tudo podia ser diferente se apenas um de nós tivesse levado a iniciativa para algo mais, pelo menos tentando acalmar este desassossego de desejo. E o abraço que me deste, enfim, como migalha, foi para mim como fazer amor numa tal entrega que nunca concretizei.
Portanto, agora que estamos nesta dúvida (eu nada duvidaria se fosse livre dos compromissos sociais, familiares e morais), com a distância que cada um impôs ao outro sem perceber que apenas estamos negando o direito a sermos felizes, eu não sou capaz de mais nada. E não consinto, não aceito, não sei já viver a vida que tive, a intimidade e a cumplicidade que com o pai dos meus filhos construí, ultimamente com grande esforço… Não me permito pertence-lhe, pois só ao teu toque, meu querido, eu quero ceder. Toque do corpo – o que falta. Porque na alma, apaixonadamente, já eu deixei que me tocasses. Sou tão tua e só tua, que tão profundamente me sinto tocada e amada, predilecta de ti.
Todavia, culpada. Saberás resgatar-me deste mar de culpa em que estou agora?
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foto de Alexandr Bardentsev
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