a semana
Foi a semana que nos separou, cercada de rotinas e alguns percalços sem deixar lugar para pensar bem no que nos foi acontecendo. Uma semana inteira de aborrecimentos mundanos que, depois de contornados, revelaram-se afinal patetices, baboseiras
(gostar de ti?, não me recordo)
e os dias arrastaram-se lentos porque um caroço que se nos atravessou na garganta, incomodativo: engolimos, tossimos, bebemos água e o caroço ainda, subindo e descendo com sabor a angústia. Víamos aos domingos os casais passeando a família, rebuscados em bicicletas, triciclos, carrinhos de bebé. E depois o seu sorriso imaculado como se nada os impedisse dessa felicidade que podemos perceber à distância. Os miúdos saltavam em mil tropelias, uns amuando birrentos, outros gargalhando à luz da tarde e o ar fresco que o outono facilita entre fulgores de sol quente.
Passou-se uma semana e a vida, ainda que por nada em vão, ficou desenxabida, voando num sentido circular, regressando ao começo de quando em ambos havia sorrisos nos dedos a apontar
- Gostar de ti?, sim gosto de ti!
ignorando que o caminho se bifurcava a partir daí, subvertendo as entrelinhas. As noites ganhando espaço sobre os dias e a solidão à escuta como caçador furtivo, camuflada nas sombras angulares das paredes, vírus adormecido que o medo desperta, devagar, tudo sem que desconfiássemos sequer. E então era adeus que dizíamos palmilhando calçadas diferentes, com a semana a abrir-se na flor dos aborrecimentos, das rotinas e dos percalços, coisinhas que depois de as contornarmos afinal não são mais do que patetices, baboseiras
(gostar de ti?, não percebo, explica-te lá)
e os dias seguindo lentos, vezes sem conta isto: uma semana, duas, um mês, o semestre, acaba o ano e nós nada, não discernimos o quanto que de tudo podia haver se nos esforçássemos um pouco mais para que o entendêssemos. Não somos perfeitos mas é na imperfeição que nos vamos completando uns com os outros. Como uma soma. Mas connosco a aritmética falhou, essa equação encalhou num erro para o qual não tivemos inteligência suficiente para solucionar.
Por isso, agora assaltados por essa sensação estranha do vazio, batemos vezes sem conta com a cabeça nas paredes, à espera que por fim haja luz para que o coração e a mente não se repitam, desenxabidos como a vida,
- Gostar de ti?, não me recordo. Palavra que não.
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foto de Krzysztof Trojanowski

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