tímpano
Endireitou a cabeça na consequência de a ter virado primeiro para a esquerda e depois para a direita, tendo observado cuidadosamente cada flanco. Então, com o olhar quieto no horizonte em frente, a perder a vista na ténue linha alaranjada que ainda separava o dia da noite, fez um movimento maquinal com o braço direito, entre ângulos, levando a mão à altura da têmpora. Flectiu ao mesmo tempo os dedos mínimo, anelar e médio, esticando o polegar e o indicador em ângulo recto. Com o corpo hirto, encostou suavemente o indicador à cabeça. Numa pequena flexão da mão, a ensaiar um coice, e ajudado por um estalido palatal, simulou o puxar de um gatilho. No instante, piscou instintivamente os olhos e a boca fez um ligeiro esgar. Roleta russa. Agora deambula pela cidade sem saber se morto ou se escapou à fatal fortuna. Desta incógnita dirá que acabou cansado quando tiver rendido todas as ironias e contradições da vida. Ou percebendo, no seu pensamento difuso, que afinal não existem coincidências, sendo estas apenas meras probabilidades matemáticas. Lembra-se, contudo, daquele estrondo: o tímpano a zunir como quem nasce, vindo imediatamente a morrer sem tomar sentido ao mundo conforme lhe havia sido prometido.
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(foto de autor desconhecido)

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