intermezzo


Tinha a certeza que sonhara aquele sonho na véspera ou na antevéspera
António Lobo Antunes, início de Que Farei Quando Tudo Arde?


Tudo foi ontem, tudo passou, e contamos apenas com o presente, se o futuro é indescritível e muito insolente, de feitio difícil, carregado de promessas e, porém, alimentado de contradições. Portanto, que ainda não existe, e não merecerá a pena avaliar ou prever. Talvez porque seja feito de efémeros presentes de todos os minutos, de todas as horas, manhãs, tardes, dias, semanas, meses, anos. Talvez porque o futuro seja afinal tão só a inalcançável eternidade. Então, o que seguramos nas mãos, o peso que trazemos ao ombro, a matéria de que é feita a nossa cruz, venham a ser em vão. Nascemos para chegarmos ao fim, sem promessas e em consecutivas esperanças contraditórias. Somos o hoje sobrando do que fomos ontem. O futuro é ontem, alimento dos sonhos e de todos os nossos delírios. O pouco que poderia ser muito, o nada que viesse a ser o todo. Partimos sem rumo para a meta, e sabendo que ela lá estará, que é, enfim, a única certeza. E perante isto apenas nos resta, e restará, a dúvida: que farei quando tudo arde? (*) -, equação para a véspera de tudo ou de nada.


(*último verso de um soneto de Sá de Miranda

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(foto de autor desconhecido)

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