dedos como pianos
Onde estás, amor meu? Que geografia, que suposto piano soando alto na tua procura? Por que não estás ao meu lado, conquistando o dia? Sabemos ambos que eu sou só eu e que tu também és só tu. Mas, o que somos nessa afirmação? Apenas cada um por seu lado, arrumando as suas gavetas, arejando os armários do frio e da escuridão das frinchas, sempre alugando uma qualquer sombra para o descanso, onde deixamos, ambos para cada lado, entrar a solidão.
Imaginas o quanto podemos ser nós, juntando cada um dos lados numa harmonia? Tu e eu, eu e tu. Nós. Que farias tu connosco? Eu sei o que faria. Deixaria que me arrumasses as gavetas, e sugeriria que melhor vestido terias de tirar do armário sem frinchas escuras, e em que ocasião. Enquanto te queixarias, talvez, da rigidez dos pêlos da minha barba, picando-te o beiço quando te beijasse.
E veríamos o sal escamado nas margens quando o mar desiste de insistir contra a areia. E abriríamos as bocas de espanto e alegria quando o filho desejado já lá viesse. E comeríamos bolos sem culpa de engorda, e ainda te faria olhar ao espelho para que a tua boca dissesse
- Sou bonita
já que saberias que eu estaria lá para apaziguar qualquer defeito que porventura encontrasses. Que as tuas curvas são o meu único encalce, e tu dirias que os meus cabelos brancos os sinais de tanto amor. E caberiam as flores que delicada colherias do jardim para alegrares o nosso quarto. E todos os pianos
meu amor
seriam nossos, resumindo em calor os dedos que se dedicariam, teus ou meus, já não interessaria porque seriam os nossos, os nossos dedos no corpo de cada um e que seria o nosso. Como os nossos nomes – quando um para cada lado apenas nomes. Mas nós… Ah, nós!... Que nome teríamos!
Onde estás, amor meu? Que cavalos tenho ainda de montar, que trilhos e picadas, ruas e poliedros, catedrais à vista longa – longa como é a saudade – para te conquistar e fazer-me vassalo de ti? A saudade que teria o mundo quando não tivesse mais a vista de nós. Como seríamos se não fôssemos dois nomes, duas pessoas, dois caminhos?
Onde estás? Em que encruzilhada queres resolver o passado e estar presente, aqui ou aí, desde que sejamos nós a tomar depois, conscientes, um único caminho para a frente?
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foto de Desislava Kuleshova
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