Lisboa com mais brilho


Lisboa com mais brilho e sol, mesmo ao entardecer das cinco, e não há chá nas casas de fado do Bairro Alto, mas muitos ingleses com aqueles dentes, sardas, pescoços altos, elas sem mamas que se vejam, eles com a carótida entumecida e pulsante dos berros que dão a cada cheers! dos copos de cerveja, plástico com plástico. Observo pela vidraça o que se vê na rua do Loreto, agora ainda mais luz e mais luz, brilham e piscam, e eu esqueci de observar como se põe o sol numa tarde de outono onde o Tejo deixa a sua fortuna, lá longe sobre o Mar da Palha. A pizzaria ali oferecia pratos a modesto preço, um achado, pensei, então lá entrei, tinha fome, o almoço não foi nada de especial, sandes de bifana partilhada com as gaivotas sobrevoando o Cais das Colunas, entre as fotos dos imensos turistas vestidos à verão com as suas camisas verdes de estampas tropicais… como se pudesse esta Lisboa luminosa, de dia e de noite, ser uma cidade tropical. Desenganem-se porque não é, muito menos agora, é só uma cidade do midi, tem realmente muito sol quando não chove, mas é a típica portuguesa de gola alta na camisola que veste para o outono que queremos frio. Essa camisola, rente ao peito, apertadinha, tão apertadinha revelando o mamalhão lisboeta – o autêntico português das portuguesas que assim vestem, a fazer inveja às inglesas que, por mais que abram os decotes, nada se lhes vê, coitadas. Lisboa já noite feita, ou melhor, ainda um ruído qualquer de tom lilás no horizonte sobre o Tejo que seria totalmente negro não fossem os barquitos e os iates fazendo reflexos brancos sobre as ondas, as ondas, sim, porque o Tejo tem ondas, e alguém berra canções num improvisado palco sobre a calçada portuguesa, é uma viola mais qualquer coisa que não distingo bem e um microfone, e as pessoas passam indiferentes, o chapéu feito caixa de esmolas não recebe, não é fim do mês para os lisboetas e os turistas só apreciam o que é de cá, não um fulano qualquer a berrar velhas canções num inglês ininteligível, embora fiquem embevecidos com qualquer acorde de samba de um brasileiro imigrado convencido de que canta um outro fado, mexido, porque ouviram dizer do guia turístico que traduz o seu discurso pelo google, que há um fado mais corrido. Fez-se noite e Lisboa não perdeu o brilho, saí da pizzaria lanchado e jantado, já tudo insinuando o natal, eu tentando dizer também mas não me soava bem – é cedo ainda, caramba, tão cedo para o natal! –, mas todas as luzes piscam, e sempre entre uma multidão enorme. Isto é luz, nem Paris é assim, vê lá tu, sim tu, tu que me escutas enquanto falo com os meus botões, sorris e eu expectante, sem devolver igual simpatia, algo desconfiado apenas; tu que sorris e as tuas amigas ao redor numa aposta de que é desta vez que ela beija um lisboeta, mas desculpa, o bigode é apenas uma ilusão da sombra, não sei cantar o fado, lá em cima no bairro há uma casa de fados e que é também bordel, percebo lá eu isto, mas é para lá que sigo, então desculpa, nem sou racista, os teus olhos mongóis até os acho bonitos mas calhaste como as inglesas, rapada de mamas, pernas mais finas do que o meu antebraço; é para lá que sigo a ver se respiro e a apreciar as camisolas de gola alta apertadinhas rente ao peito, ou um decote disfarçado por um xaile, só o fado me apetece, já que o piano ficou em casa, que outra coisa qualquer também lá está. Tu por acaso tens uisque?, apetece-me um digestivo, foi aquele pizza, sabes?, porque Lisboa ficou muita cara para esses vícios. Pois, não entendes a língua, eu sei, difícil é o idioma que falam neste país, mas amanhã já parto, eu também não sou daqui, percebes?, e entre a casa de fados e a pensão onde vou pernoitar não vou engatar ninguém, desta vez não, prometi, desta vez não, outros olhos me esperam, desta vez não, nem loiras nem morenas, desta vez não. Que vim da pizzaria lanchado e jantado para ver o que me prometeram na casa de fados que é também bordel (vá eu perceber isto!), e depois virá uma noite insone até à hora da manhã em que embarcarei no comboio rumo ao norte. Ou seja, para casa. Mesmo que deixe de ver assim tanta luz (Paris, o caralho!). Vá, que se faz tarde, já vou, sei muito bem que mais nada há para mim nesta cidade. Foi assim, lá fora, e agora cá estou, observando pela vidraça as luzes piscando na rua do Loreto, e vim para relaxar, mas sinto-me tão indisposto…. O vinho aqui é como o fado, não presta, não se bebe, como nada se ouve com tanto inglês berrando cheers!; entre cervejas, plástico com plástico. Onde posso vomitar o que não digeri daquela pizza?


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(foto de autor desconhecido)

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