textura


Encostado à parede, pelo canto do olho observo a pequena silhueta tecida na sombra e desvio o olhar para dar conta da forma dos objectos na sua quietude de nada. Na esquina da mesa sou sobressaltado pela impaciência da centopeia tacteando a textura da humidade. Não lhe tenho medo, apenas uma aversão infantil por tão delicada e delirante agitação, pela sua forma repugnante. Imagino-a nos meus lábios, transpiro, tenho nojo, arrepios, as patas multiplicadas, levantando-se em sucessivas ondas. Grito, atropelando as mãos no meu rosto, fujo da parede onde um exército de outros bichos semelhantes se prepara para conquistar sobre o meu rosto a textura da sombra. E deste nojo, desta aversão inventada pela minha imaginação, um velho jornal é a arma letal para a infeliz centopeia, viscosamente derretida no canto da mesa. Enxoto os seus restos para o lixo, ainda com o mesmo nojo. Indisposto, sento-me na cadeira. Foi então que te vi, com o rosto lavado em lágrimas: havia esmagado um beijo teu.


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foto de Taranenko Anzhelika

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