conjugação condicional
Escrevo:
Adoraria estar contigo agora
e, logo depois de o ter escrito, penso: por que o escrevo? Se não sabes, nem tens como sequer procurar as palavras que te escrevo? Já que tudo o que te escrevo é grafado a lápis dentro de uma simples folha de ocasião como esta, escritos afundados na sombra da gaveta, em jeito de um diário que quase nunca revisito? A não ser quando de ti quero dizer, sonhar, ter como chegar-te… numa inócua e onírica forma de ganhar coragem para falar-te do que sinto, mas sem ter a verdadeira coragem para tal.
Só posso imaginar como reagirias ao ler estas linhas e tantas outas antes destas. Sempre foi assim, tanto queria que soubesses e nada podes saber. Como te falo escrevendo, que é tão diferente como quando nos cruzamos e nos cumprimentamos, ou comentando um com o outro uma qualquer situação circunstancial. Quando me pedes cinco minutos da minha atenção
- Preciso da tua ajuda, se não estiveres ocupado
eu sempre tão ocupado e, contudo, pensando em como lidar contigo
ou seja
de que forma, ao dar-te os cinco minutos que me pedes, poder esticar esse tempo para que percebas como te trato, como te ouço, perceberes a minha tendência para deixar outras ocupações de lado e dar ao teu protesto de ajuda a maior atenção. Se soubesses como, se entendesses que cada minuto contigo aumenta a minha expectativa sobre tudo isto que te disse agora mesmo…
Agora mesmo, nesta folha de papel com igual destino das restantes. Não sei por que as guardo, talvez por dó de mim próprio. A gaveta cheia de tantos papeis, dobrados em quatro, alguns amarelecidos, entre outra parafernália de esferográficas velhas e já sem tinta, fita-cola agrafes clipes que deixei de usar há anos, tal como uma pequena régua, a tesoura, velhos cartões de visita, meia de dúzia de pilhas velhas, isqueiros vazios, talões de compra que achei por bem guardar…
Sei que remeterei para o mesmo amontoado das outras esta nova e vã tentativa de falar-te sem nunca dizer o que realmente desejo dizer, começando por escrever o quanto desejaria estar contigo, mas sem concluir qualquer raciocínio ou assinar uma mais concreta declaração sobre o que sinto por ti há tanto e tanto tempo.
Portanto, se escrevi
Adoraria estar contigo agora
sabendo de antemão que não lerás qualquer uma dessas palavras, acaba também por ser a forma com que eu me consciencializo sobre o facto de que o que quero de ti – para o que também nem sequer tenho a coragem para afirmá-lo, ainda que inocuamente nestes papeis que te tenho escrito – o que quero de ti, o que sonho entre nós, nada disso será, nunca, possível. Sei que é assim porque é o que me dirias, qualquer que fosse a circunstância. Sei, sabes, sabemos.
Então, talvez, começarei por escrever
Sei que nunca possível, mas adoraria estar contigo
porque só assim a conjugação condicional faz todo o sentido.
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(foto de autor desconhecido)
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