talento para dormir

foto de Vadim Zamesov


Quando pouco resta senão ecos e uma neblina a rebentar os olhos de esforço e a garganta de desespero

(não metaforicamente por esta ordem de ideias)

abres delicadamente a cama feita há duas ou três horas, repetes o teu corpo magro diante do espelho, preferes os estores recolhidos se nada há para ver na janela, reflectes se serão precisos os óculos quando olhas o volumoso livro de poesia que compraste há alguns meses, que te custou os olhos da cara, e pensas em jeito de conclusão: venço tudo. Mas percebes afinal os nadas perdidos como monstros, pequeninas coisas dentro de ti que se convulsionam como a severa tribulação do mar contra as rochas.

Quando pouco resta senão uma neblina e ecos que te ditam ambos que já só pertences ao envelope da cama e te remetes nele para os sonhos, quaisquer que sejam os sonhos

bons ou maus os sonhos, são sonhos

só sonhos

e despertas então depois, sem teres dado pelo tempo que passou, o bocado de vida que não quiseste testemunhar, espantada como a neblina se rendeu ao sol e com o barulho para lá da janela já não ser da distância e que silenciou os ecos medonhos que tinhas dentro de ti na véspera.


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