quase finalíssimo

foto de Christophe Agou


Há anos que tens sugerido o fim e eu não quis acreditar, sequer poderia supor. Enfim: nunca me passaria pela imaginação. Bem sei que os dias acabaram por ser todos iguais aos anteriores, senão piores: mais enfadonhos, que corriam muito rápido; que a vida era, a cada minuto, um acto desperdiçado que te entristecia.

E, reparando bem hoje, houve sempre essa sugestão do final

(- como será, imaginavas, o que de facto acontecerá?)

Porém, não sem essa arte de artifício, essa coisa da ilusão tão predicativa em ti, a fazer de conta que

- Está tudo bem

mas sofrendo de uma espécie de desespero engalanado pela rotina que corre como sempre: nada a queixar, se é sempre como foi. E tu nessa condição a imaginares de que modo pudesses fazer a diferença, almejar os teus semi-secretos intentos.

Hoje, acabo por ser para ti um alívio, por teres conseguido, pelo cansaço, fazer com que me rendesse. E eu, após esse longo delírio, quanto mais penso no que não fui, negando-me, ao pretender ser qualquer coisa que te agradasse, me repudio: não, nunca fui eu, o verdadeiro. Inventei-me para ti e acreditei nesse delírio. Um delírio que já não era só meu, mas de ambos.

Tenhas agora a felicidade,

(sofrimento de quem venha a escolher-te?) –

pode ser que um dia haja o teu tempo de pensares verdadeiramente no quanto é importante dizeres sempre o que de facto sentes. Eu não vou testemunhar. Quero não ter a obrigação de supor que dessa teia outra pessoa tenha eu, por obrigação romanceada, salvar. É óbvio que não correria a salvar fosse quem fosse. Nem a tal pessoa nem, agora, sequer a ti.



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