vaga

foto de Artur Politov


Falha-me a tarde e o alvoroço dos pardais ensaiando o recolhimento. Há uma quietude que excita os meus nervos, ansiedade a rasar uma crise de pânico. Deixei o rio para trás, que a beira da água me ensurdecia de um silêncio que não quis. Voltei para ficar a observar lonjuras, languidamente, através dos vidros da janela, como quando chove. Porém, não chove. Não entendo a claridade, mas sei que não tem nada do esplendor do sol numa tarde do alto outono. Farrapos de nuvens apenas, desfocando, a fintar-lhe os raios. Também não vejo que se agitem as raras folhas ainda insistindo no alto das suas árvores que as caducará, mais dia menos dia.

Os teus dedos. Terão a mesma sugestão das folhas das árvores resignadas? Terá o verão secado a seiva de mel e ternura que deles eu procurava e colhia? Onde estão?

Os teus cabelos. Copiaram o baço algodão sujo dessas nuvens em farripas, como sobras de sonhos não conseguidos? Nenhum brilho da água que borbulha, nenhuma frescura de brisa quando soltos? Onde estão?

Os teus olhos. Serão como esta janela a consumir-se pela sombra que se vai instalando? Sem mar, sem céu, sem a terra lavrada, sem searas, sem os bagos maduros da alfena? Onde estão?

Tu e eu. Uma vaga pouco promissora de questões que já nem sei se vale a pena colocar.

Comentários

delírios mais velados