ao leitor dedicado


(com o pensamento em António Lobo Antunes)

Quero que te fodas. Quero que te sufoques, na saliva da tua boca ou no ar que inspiras e expiras a dar entoação, da forma como queres dizer ou pensar o que escrevo. Que sofras de qualquer apoplexia… Um derrame, uma embolia, uma congestão… Qualquer coisa que me livre de ti. Não serei jamais teu escravo ou servo, nessa coisa de te oferecer, qual bandeja generosa, o que mais te apraz…

Não! Soubesses tu encontrar-te naquilo que de ti escrevo! E perceberes que, enquanto te amo também te odeio; enquanto te encanto também te destruo; enquanto me consideras um génio, eu te encontro como o pior pacóvio ignorante!

Nada me serves, percebes? Penses embora o contrário, não! Não me serves! És um ladrão. Dos piores: dos que roubam e ainda adulteram o que roubam. Consomes o que te digo com o fraco entendimento que tens do que me lês. E vais mostrando aos teus pares esse teu objecto roubado e adulterado, intenso de alegria por teres o umbigo inchado, convencido que me entendes:

- Como com tão pouco ele diz tanto!

sem que, de facto, eu queira dizer alguma coisa. A mim que me interessa a tua dedicação, a tua ilação de trazer por casa? Acaso, quando das piores das angústias, nos momentos repetidos em que as palavras se rebelam e contrariam o que quero, fazem-se sonsas, mulas por teimosia em não descer da mente para a mão… Acaso te importas com isso? Acaso vens ajudar-me:

- Olha ali! Resgata aquela palavra! Cuidado com essa que te contradiz!… ?

Acaso terei o teu sincero apoio quando te dou algum desgosto, como na imperfeição de uma metáfora, na imprecisão de um facto, na confusão ilírica de um verso de três palavras? E então marrar, como os bois, horas ou dias a fio, para disfarçar a tal imperfeição, o erro, a dúvida sobre o meu talento?

Nada te interessa, confessa. Queres é o produto acabado. E com ele regozijares de seres seguidor de quem

(palavras tuas)

representa o teu génio na escrita. Que hás-de viver para testemunhares o meu altar entre os letrados!

Só quero mesmo que te fodas. Não me interessa o que pensas. Somente quero livrar-me da loucura de ter palavras, como tumores malignos, lurando todo o meu pensamento, seja dia ou noite, esteja a dormir ou acordado. Essas, ainda que piores que tu, ainda me dão luta. Tu, não: és um verme devorador, como os que consomem os cadáveres sob a terra!



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