viuvez

foto de Andrey Samartsev 


Quero um abraço teu, nesta hora de fumos negros e semblantes carregados. Não é apenas querer, é necessidade. De um outro corpo estrangeiro contra o meu que suscite

- Haja força!

sem palavras ocas proferidas. E, por isso, a ânsia de um toque mínimo possível. A ser humano. Quero lá saber da correcta socio-politizada solidariedade… Apenas procuro o mínimo de humanidade. A física, não a esgotada em palavras de circunstância. Um abraço, quero tanto um abraço!

Se te não é possível: que tentes, pelo menos, com qualquer um dos teus dedos, o toque no meu corpo. Os teus dedos, senão tu, que me façam esse favor, por mais que seja indigente tal gesto. Aceito que me toquem, rejeito as palavras fúteis. As palavras que nada valem nesta circunstância.

Enviuvar é ter uma fome que muito dificilmente se sacia. A saudade tem que ver com essa fome, apenas amenizada momentaneamente com as migalhas da memória e, tragadas essas, aquela sensação incómoda de uma falta, feita em fraqueza, ou indisposição de demasiado ar engolido em vez de alimento, que se arrota, à custa de tanto tempo o estômago vazio.

Não creio na minha viuvez. Quero que o projecto de vida que foi entendido se perpetue. Quero ver da raiz o caule medrando até haver flor e fruto. Quero aquele argumento dos ciclos renovados. E mesmo que ao caule lhe façam cruel golpe amputando-o desde a raiz, que seiva haja para insistir. É a terra que ordena, é a terra que diz.

Por isso é tão importante o teu gesto. Gesto de corpo, sem que voz e lábios digam quaisquer palavras circunstanciais… Por isso esse teu gesto, mesmo que apenas seja simples e indigente, mas timidamente preocupado, poderá ajudar-me ao resgate de mim neste e nos vindouros dias negros.

É que a solidão, essa nuvem, vem das sublimadas gotas instantâneas das lágrimas que ninguém compreende por que se transformam num oceano fero, tempestivo, no qual o naufrágio é fatal. Se querem que aporte seguro, entre e depois da tormenta, não basta acender, no meio das gigantescas ondas agitadas e da farta neblina, a incandescência fugaz de um foguete de presença.

Há que avisar toda e qualquer navegação por todos os meios. Ora, eu acredito: tudo no teu corpo pode ser um bote de salvação ou farol particular. Não. Não quero a viuvez.






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