promessa de setembro
Ah!, esta névoa matinal numa insinuação de novidade, como que a inaugurar ao que se dedica! Com ou sem lendas da pátria des
(armada?)
animada, surge numa imprevista alvorada com um finíssimo frio
(não exactamente frio; antes: aquela frescura sem evocar sombras de fugir do sol ou quedas de água como quem se baptiza após o fogo).
Isto é: inaugura um ar mais fresco, vindo da janela, ainda a cama dos amantes escaldando dos lençóis batidos, primeiro puxados, depois arredados. Obviamente que se trata de uma circunstância sazonal. Um signo na atmosfera que apela a um regresso
(não confundir com regressão)
ou, talvez, tentando maior entendimento, uma retoma para um último esforço.
Os corpos desses amantes são parentes toda a madrugada, entre saliva e suados vidros, surgindo uma brisa naquela frincha deixada entre o batente da janela e o bom dia que se dá ao abrir de estores e portadas ao sol nascido. Mas, esta névoa é nuvem
(nuvem antecedida pelo orvalho quando ainda a lua a pino na noite)
caída como anjo a pouca distância do hálito ainda quente do solo, a infiltrar-se sobranceira, aos poucos ganhando às sombras o contorno dos edifícios, fazendo da rara luz o mesmo que fazem as lágrimas aos olhos secos de tanto mirarem o nada, confundindo…
(os corpos dos amantes não precisam dos olhos, a não ser naquele momento em que se fitam com sofreguidão, e sem retorno, em que até as mãos se seguram umas às outras, a vislumbrar o êxtase acontecendo em pequenas vagas)
… confundindo as palavras pensadas com as que se escrevem ou se dizem
(as que se dizem um vago vapor).
Então, virá a vez de tudo se precipitar. Primeiro, o fruto, enquanto o pão é ceifado, ao mesmo tempo que o vinho após fermentação dos inocentes; depois, um humor húmido de terra que também respira
(como se tivesse narinas, ou as ventas de um cavalo cansado)
pedindo o poisio para que ervas bravas cumpram essa missão misteriosa
(reparastes vós alguma vez como são verdes as bravias ervas do inverno?)
de entreter os jardins e os cemitérios abandonados. A terra ainda seca e porosa, bagulhos secos como cadáveres, os torreões revolvidos com raízes esquecidas de que talos ou caules, vindo depois juntar-se a queda amadurecida das folhas do alto das árvores, no tempo em que o vento intensificará o seu sopro.
Para os corpos dos amantes há-de haver cerimónias que também se inauguram na lente das primeiras e mais intensas bátegas, entre credos de raios e trovões: uma sala, chávenas repetindo esta névoa no cume das suas tisanas, os corpos aquecendo entre as ainda ligeiras mantas, e as vidraças batidas pelas gotas da chuva. Ali próximo, um ecrã debitando imagens a preto e branco de eloquentes criaturas com discursos monótonos em idiomas escandinavos
(que vos lembra imagem das escandinavas terras do frio e de tantas névoas como esta?),
e ainda pelo chão os quase imateriais livros de poesia
(ah, a etérea condição – com dicção? – da poesia!).
Afinal, novidade nenhuma. A promessa é uma palavra com esperança na inovação, na renovação, na ressurreição, enfim: nos ciclos. Ciclicamente são também as vontades, e ninguém deve alarmar-se com tal, ou desconfiar. Aceitar dói menos, como se prefere dizer agora. Quem fica na periferia terá de aceitar. Ou deixar, como sua redenção, que a névoa lhe envolva e transforme sua carne e ossos num irremediável vapor de lembrança.
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