entre estações II

foto de Marina Sheglova


Leva-te a outro lugar onde não seja este quente-e-frio a consumir-te a tarde

(pensarás: é o ciclo)

pois nenhum alento te será concedido. Na verdade, que alento podes sentir tu nos dias que vão passando quando se repete o sinal negativo de alguém? Surgem imensas sombras que, não sendo agora refúgio do sol quente, são prisões de quem, com a mínima claridade, sente os olhos cegos e aturdidos. Tudo parece conciliado numa monstruosa solidão de terra e roseirais a insistir o odor com a flor. E, nesta temperatura, sempre há confusão entre a maturação do outono com a imaturidade de uma primavera prometida para muitos meses ainda longe…

Porém, entre a enganada roseira, crescem as mais bravias ervas que, no inverno, vencerão a neve, e agora gargalham: quantas foram as humilhações por concluíres, do verão tombado, ninguém quis amar-te?

Nem vinho novo no douro demorado, nem sumo de algarvia laranja precoce, nem qualquer injuriado vento, enquanto ouvires esse murmúrio, por dentro da tua alva alma que agora concebes ser negra:

- Não há nascimento nem morte; não há amor sem desnorte.

Os sentimentos, irmãos gémeos das emoções, não se enganam. Progenitora deles é a razão. Dá-lhe (a esta) a sua voz. Age por comoção. Assim, e pelo menos, com o advento do frio não sofrerás tanto.

É o que pensas, nestas novas noites insones em que já não é o calor que te incomoda. Agora é só o som desabituado das fortes bátegas precedidas de trovoada em plena madrugada que te despertam e não deixam que regresses ao sono.

Virás a habituar-te. Por enquanto, apenas paragens entre estações.


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