as felinas palavras


Algumas vezes – vou escrever isto a eito, com certo receio –, as palavras podem parecer e ser, realmente, preguiçosas. Uma preguiça boa, digamos, no melhor sentido. Isto é: não no sentido humano da preguiça, do deixa-andar-que-logo-se-vê, não; de todo, não. É algo maior… mais nobre, diria. Algo como “não pode ser agora, não é o momento”. Nessa circunstância, bocejam as palavras indiferentes para com quem delas algo espera, e espreguiçam-se muito, para reencontrarem na alcofa, onde arrefecem a euforia, a forma que deixaram e retomam, voltando à sua modorra de sono. E de desprezo.

São como aquele gato doméstico que ignora por completo o seu dono humano. E, se for gato de peculiar temperamento, quando o dono convencido de incondicional laço que o une ao felino adoptado, há mordeduras de aviso, não sem antes uma pata com as garras de fora arranhando com má intenção:

– Cuidado, que não estou nessa tua sintonia!,

e um bufar muito ameaçador e assanhado. Para grande espanto do dono, que o abandona frustrado e amuado.

De modo que, com palavras felinas assim, é melhor calar o pensamento ao calor da boca e fazer repousar a pena.

Assim se evitam amuos, frustrações e muitos dissabores. Gatos e palavras, ainda que se portem como lisonjas, só são metade domesticáveis. E, ao contrário daquela condição canina, muito pouco fiéis. Não se duvide da sua lealdade, porém: é dar-lhes o tempo e o espaço que necessitam.

Tudo ficará bem após paciente espera. E épicos poemas serão urdidos, for esse o caso.


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