papel e tela
foto de Zachar |
Sigo a cursiva vontade do meu sangue por inerência do cheiro a tinta do teu, quase vesicular, elaborado nos cantos erógenos do teu corpo, e cindo-me entre ideia e corpo aligeirando tal aroma como se tela e papel uma simbiose espírita e material.
Agarras o gelo com os dedos, incapacitada de o trincar. Algia entre o carmesim e o violeta pela forma como se transformam os teus lábios entre a febre delirante dentro de paredes e a humidade livre da terra nas primeiras horas da manhã. Os meus olhos a cegar por tanta intensidade conjugal. E continuamos, contra a tela, contra o papel, a perseguir todos os tons e todos os léxicos, como que a coçar crosta de uma ferida já antiga, sentindo-lhe a textura da cicatriz.
Vejo-te como se fosses árvore podada nos nós dos seus ramos, a mostrar na amputação o que havia de lograr por natureza bravia. Foste, porém, aparada, condicionada pelo tempo e suas circunstâncias. Observas hoje as marcas, cautelosa e cirurgicamente impressas no desmaio das tuas saias.
Dizem os dicionários que os signos sugerem destino por matemática gramatical, mas a geometria rende-se, por confusão, à insídia dos ditados empíricos do espírito. Como ferreiro que transforma aço em parafuso e sem noção que do mesmo aço havia de criar a anilha: terás entendido?
Tomamos banho e sempre nos salivamos a julgar que água com outros líquidos tudo confunde. Tu do teu campanário fazendo soar os sinos do teu desejo, crescendo como o cio que nos vem consumindo, construções de carne sobre a minha língua. Já o disse antes, uma e outra vez, creio que nem saberias ler quando eu, muito púbere, grafei as primeiras palavras acerca da precoce perdição da minha libido.
Tinhas também, então ainda mais infante que eu, a colorida palete como se o céu nem sempre o percepcionasses azul. Na maturidade, foi do que fomos que conseguimos o que realmente somos. E assim nos encontrámos: eu a ti no papel, tu a mim na tela.
Ninguém poderá já fazer parar e secar a tinta. É o coração que a bombeia. Desse tipo de coração que não pára. Melhor: faz dilatar o tempo. O amor pode ser sumário de todos os títulos das nossas criações. Como Jesus. Tu por fé maior, eu por ideal tamanho. Graças então ao filho do homem!
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