doida varrida

foto de Sergey Fett


Uma doida varrida, a poesia.
Primeiro assomando oblíqua
sob as pálpebras, vai instalando-se
depois com vertical dignidade.
Insinua-se, por fim, horizontal,
à mercê de um falo que murmure
segredos ao sangue latente
por exaustão dos músculos.
As horas são uma migração
de pobreza enquanto
não se apaga o cigarro entre
o ócio de dois dedos suspensos.
Eu frequento prostíbulos
para entender como se transforma
a fome, a perdição, em redenção.
Se é apenas um desabafo da alma
ou se obriga ainda os braços
estendidos com as mãos
em lágrimas.
O corpo é uma passagem,
um vaso. Como consegues
que o caule te devolva flor
em tão árida e solitária terra?
Vem ver-me, saber o que tenho
sob a máscara: se há mundo
ou apenas eu calado assistindo
à ruína dos muros.
A isolar-me, porém, por medo,
feito soldado que se camufla
dentro do mato com um punhal,
atento a qualquer coisa
que lhe retire a casa,
e um alpendre,
e uma mulher,
e filhos.
Os dias nascem
e são enterrados
pelas sombras mesquinhas.
Enquanto o cigarro vai perdendo
a sua intensidade numa espécie
de fenda febril entre lábios.


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