vento seco e frio

foto de Andreas Theologitis


Sabe-te a vida a nada com o vento seco e frio.

– Quero voar dentro, desta vez

confessas, como a dizer que só me foges por manha, teatral de gritinhos, sabendo-te cercada por mim. E que pronto há-de acontecer a circunstância de te agarrar, a fingir-me fero como rapina que prende e sufoca a sua presa.

Pedes que não te iluda, pois essa rapina sempre foi a constante do meu olhar. E pedes, muito crente:

– Sufoca-me

como que um apelo de salvação, a única que me é possível, segundo argumento teu. Os meus dedos, porém, contradizendo tudo isso. Desenho a ternura com o indicador, levanto desejo pousando beijos sobre as tuas mãos, os teus ombros, os teus seios. Lentamente o teu olhar marejado, a lembrar quando o mar ruge apenas por sílabas separadas, o mar gago. O teu olhar gago. E eu suspenso de gaguez igualmente. Querias

– Desejo isso desde que percebi que poderia nunca permanecer em ti

querias de mim o tormento de ser assassino da tua existência. Eu sei que o querias, nunca foi preciso que o afirmasses. E fico quieto, como sempre estive quando te compreendia nessa atitude. Num repente, desinteresso-me do jogo entre predador e presa. Tu fixas em mim um olhar de absoluta súplica, mas eu apenas sacudo a cabeça por tamanha desfaçatez e egoísmo. E parto.

Sabendo que partindo eu enviúvas tu de coisa viva, ficaste a encastelar nuvens, atenta à condição de um vento maior que, alimentado pela tua raiva, se torne furacão para te ditar fora do mundo. A murmurar que não te sufocarás dentro de água ou pendurada numa corda. Argumentando, nesse murmúrio, que essa alternativa só eu te poderia conceder.

Porque

(são os teus argumentos)

um orgasmo sabe melhor a dois, em vez dos teus próprios dedos no piano da tua saudade.


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