jardim vazio

foto de Zare Hossein


Entendamos o mundo não pelo que por mim dele escrevo diluído. Atendamos só à simplicidade com que se apresenta, pois é ainda pior do que as palavras com que o concebo, cercado por lágrimas retidas a milímetros de chegar ao chão e, por isso, o 

fogo poema

        o mesmo com que me contradigo, pois
        seduzido pela palavra assobiada na dilatação
        da laringe do melro ditando o entardecer,
        apesar de outra luz que não seja a da hora
        de mansa depressão e nos sugere colo
        à falta de esperança na noite instalada.

E muitas outras balelas. Haver mundo é quando quero dizer: as pessoas. Há mundo? E, se há, afinal, com que consolo esse mundo pretende seduzir-me? Melhor que isso, uma vez que suspeita será uma resposta minha, coloco o enunciado em ti, que continuas a meu lado, nessa tua condição resignada que tanto e pateticamente tentas disfarçar. Como te consola o mundo, o que há ainda para que vejas esperança?

Entendo, claro que entendo. Não respondes claramente, mas sugeres a alegoria

        sejamos flauta afinada pelo mesmo assobio
        de espanto com que a negra ave anuncia,
        corrigindo, a alma de quem se inflama pelo
        assombro de ver a vida desavinda e tormento
        de quem dela se desilude e termina.

E eu fico a congeminar como é que estão connosco os nós entrelaçados, de que forma, se eu desistir de viver, vais tu insistir na demanda contrária? Quis tanto ser eu, e livre sem aquelas suspeitas vozes, espectros fantasmas não desistindo de mim, por ser quem ou como sou. Escondo-me então numa máscara de

        quero que as mulheres sejam a esperada
        resposta, a premissa que acabei por derrubar,
        pedindo mais uns pós de alento, disso que passa,
        por mim ultrapassado, quanto ao que pretendo e
        me seja concedido dar.

Quero ainda e tão só o mundano desejo de pertencer plenamente a alguém, numa derradeira possessão, violenta, dolorosa e, porém, a extasiar-me de intenso e prolongado orgasmo, sem dar conta do ferimento. Fazer do corpo o eterno que hei-de ser sem outros, a espada por alguém brandida com permanência do juízo esperado em mim:

        a paz tida por almejado futuro grande,
        sustentado por nobre e enaltecida alma.

Só que não. O meu jardim de tudo e do mundo ficou vazio. Disseram que morri. É verdade? Ouves-me? Estás aí ainda? Por que não respondes?

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