oráculo

 

foto de Vitaliy Shevchenko

Ora, e uma vez que o amor eloquente veio abrir os seus parêntesis, há que ocupar as horas a tecer véus teus de lamúria e céus meus de distrações terceiras, enquanto todos esperam pela chuva que dissolva o olhar distante por entre a dilatação do sopro no vidro onde goteja a impressa fotografia do lugar-comum tenebroso de que são feitos os fins de tarde húmidos e, das florestas, a assombração dos intensos desejos da carne transformados em cinzeiros de nevoeiro.

Dizer mais daqui será multiplicar a amplitude da tua solidão e do meu bravio bater de asas, que só se renderão a uma disciplinar embriaguez. Em ocasião assim, se ambos bebidos, obrigará cada um ao recolhimento precoce como se o dia de amanhã fosse o inferno engendrado ao cair da tarde, num lamento de pretéritos mal concebidos. 

Se, entretanto, te resolveres a visitar-me antes da madrugada, entendendo-me sem o sono que me disporia em latitudes às quais não sabes chegar, combina o relógio com menos uma hora e consulta a liturgia, pela qual te reges, sobre o que dirá do teu desejo: se te concede unida a mim num pecado de louvar aos demónios mais perversos, ou se arvorarás a noite de sonhos e pesadelos por temor aos irados deuses que provocaste.

No caso de o oráculo te responder em consentimento da paixão libidinosa, há que saber de pedir então a hierárquica e última permissão ao deus-álcool para que não esmoreça o meu baixo-ventre, concedendo-lhe turgidez de espanto e com fogo igual ao do artifício festivo das noites de verão, para o teu contentamento. Nessa circunstância, engolirás a absolvição, hóstia leitosa espumando-se entre os teus lábios rubros. 

Se tal céu não te for concedido, ou te suceda apenas uma ligeira compensação terrena que não te dissolva, porém, a inundada lubrificação do teu corpo, comiseração impliques às nuvens e às fendas da terra! Eu espanto pardais de dia e corujas à noite, acentuando o meu poder de bruxo atrevido e perverso, também escarninho, lacrimejando de riso com a atenção colocada nas noviças. 

E tu, que evocarás então, caso te calhe desafortunado langor?




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