selecção natural

Berber Theunissen, via Isola Mentale

Não está aqui mais ninguém. Sentes sempre que a grande necessidade da tua alma é de qualquer mulher que te venha acolher num abraço como se procurasse protecção e se sentisse segura por te saber presente.

Entre a multidão, podes observá-las sem que alguém te conceda ares de um desses grunhos predadores. Desses mesmo, das conquistas e das aventuras de ocasião, transpirando testosterona e ganas de obter troféus. Tu não és assim e assusta-te que o teu amor pelas mulheres seja feito, ao olhar dos outros, dessa condição profana para com o ser que imaginas ter descido à terra infestada de ímpios por misericórdia divina.

Vês como elas se passeiam pela cidade, nos jardins públicos, na embriaguez veraneante dos caminhos à beira-mar, ou estendidas ao sol, mais as que se refrescam em banhos de água doce ou salgada.

Enternece-te vê-las com os seus vestidos estampados a perdurar primaveras. O quanto te encanta adivinhares-lhes as ancas sob o tecido, a maciez do toque e do movimento, a candura subida acima dos joelhos elucidando as curvas e o enchimento das coxas. Nenhuma terá o corpo perfeito e, contudo, todas te parecem perfeitamente naturais e plenas de encanto, engrandecidas e deusas. Oh!, e o delinear dos seus decotes: o quanto que sorris por lhes perceberes os seios como arbustos agitando sob o vento…

Sentes felicidade porque as entendes como uma concreta espécie de anjos criada na tua mente, e nada mais que amor lhes tens. Porém, quando queres descobri-las no olhar, sentes que os seus olhos vão muito além de ti, como se fosses espectro em que ninguém poderá reparar sem dons sobrenaturais.

Vives nestes entretantos, sem definição do que és, rejeitando-te por medo e receios abstractos à tua essência química, emocional e espiritual. Desesperas para que te entendam, mas acabas nulo como as folhas que caem na descida do fim da estação quente. Quando te recolhes, há arrefecimento, e as noites acabam, devagar, por seguirem mais pardas. 

Mesmo assim, rejeitas temer tudo quanto sentes, por te saberes tão livre como as ervas que crescem silvestres nos campos onde incide o sol quente, as bátegas, as geadas e a neve, e tanta resistência por fidelidade à natureza que te quis desta forma.

Vais crendo que permanecerás pela consciência que aqui não está mais ninguém. E se tudo correr um dia mal, terás como consolo as cordas que vens tecendo, cada vez mais densas e tensas, ao redor do teu pescoço. Sabes perfeitamente que o diabo até com uma tranca dispara.

Ficas em paz. Enquanto contares contigo, verás o mundo girar. E, quando um dia deixares de o ver no seu movimento, ficará a dúvida se alguma vez terão entendido que fizeste parte de uma selecção natural, dessente terreno da tua própria natureza metafísica, candente.

Até lá, nada te aflige: são apenas os teus olhos, portas da tua alma, desprovidos de qualquer espécie de acometimento dos lavores do corpo, e dos desejos que te condicionam contrariamente à tua vontade.

És feliz. Não está aqui mais ninguém. Nem tu próprio. Se te sentirem, serão sons de flauta, aroma dos bosques, sabor da terra húmida.


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