ouriço

foto de Ruslan Bulgov


Vou para onde já não quero ir e fujo para os lugares onde todos podem encontrar-me. Desligo da multidão ao saber-me só e procuro a solidão entre as praças de gente. E os pombos, trombos entre os autocarros que enxameiam as ruas da cidade. As estátuas afiguram-se artroses, os edifícios a largar sombras sem frontarias nem traseiras. Jardins arrabaldes insinuando a secura dos baldios e estes floridos pela peste daninha a rebentar o betão. 

É segunda-feira, modorra farta de um pranto invertido, oh! que dia triste e desproporcionado de fadiga e ócio. Lançai-me antes a ferros para uma masmorra, cave ou qualquer lago inundado de limo. Se nem falar tenho apetite já, vencidas as razões para um, dois, três amigos, sequer esforço para a apoplexia fervorosa das paixões terei ânimo. 

Quero-me de cobertores enjaulado como os velhos. Nada me seduz para exaltar alegrias ou sorrisos esboçados. Acende-me um cigarro e dá-mo na boca como o pão de côdea dura da véspera. Por tanta sede negra esta que tenho, filtra-me o fumo para tão só conseguir inalar e beber do mesmo ouriço e caroço com que ela, 

ela, 

consentiu que lhe corroesse o sangue e enfim deixar de ser entre nós e para sempre longe de mim.

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