look at me!


                        O Outono entrou e, em vez das folhas coloridas tapeteando o chão, passeiam ainda as t-shirts apelando, em letras garrafais,
                        - Look at me!
nos peitos inchados da moda feminina para a delícia do olhar da libido masculina. A temperatura, embora já amena pela manhã e princípio da noite, é ainda abrasadora nas primeiras horas da tarde; a hora do almoço é uma barafunda de vozes cruzadas e de t-shirts nos peitos inchados correndo para os hamburgers e pizzas dos shoppings no centro e periferias da cidade.
                        Dirá um velho, de barba de três dias, grisalha como o cabelo raro, a tez morena sulcada pelos sacrifícios da vida,
                        - Já não há Outonos como antigamente…
e volvendo o olhar, atrevido e lascivo, repudiando a miséria física da velhice, apreciando o
                        - Look at me!
e escarrando para o chão na mesma atitude lasciva, e o
                        - Look at me!
a dizer
                        - Que nojo, que porcalhão
e o velho
                        - Lambia-te o que mais gostas
directa e grosseiramente para o peito que se incha ainda mais de repúdio e indignação, que responde, jogando com a mesma moeda, sem esperar troco,
                        - Ai sim?, então lambias a pila do meu namorado!
                        De modo que
                        - Já não há Outonos como antigamente…
de quando os garotos da escola recolhiam ao vento as folhas caídas e coloridas pela sua velhice,
                        - A senhora professora pediu
pesquisando nas velhas e grossas enciclopédias arrumadas no pó das bibliotecas a origem e as características da castanha, do diospiro, da romã, da uva que já foi colhida e esmagada nas prensas dos lagares que se enchem de vinho novo.
                        Está quente, isto já não é Outono, a meia-estação; ouvi dizer que já não há meia-estação, ora está calor, ora está frio, as pessoas atentas nos jornais e noticiários televisivos para saber a origem destas mudanças climatéricas, em que respeitosos senhores explicam que a camada do ozono, que o aquecimento global, que o degelo das carótidas polares, mas nada disso interessa aos peitos inchados nas t-shirts
                        - Look at me!
                        As árvores vão envelhecendo mais tarde, e aos garotos da escola nada mais lhes resta do que fazer composições sobre as aventuras da praia duas semanas antes terminadas; os mergulhos em locais inóspitos, os castelos de areia desfeitos pela fúria mansa das ondas do mar poluído, as iniciativas adolescentes para tornar as praias mais limpas, enquanto os mais velhos sujam de gorduras e ossos churrascados, caricas de cerveja e beatas de cigarros queimados, o pó dos pinhais que procuram para a sombrinha e onde encontram o espaço para as suas tendas, os seus barbecues, as suas cadeiras multi-posições onde fazem verdadeiras maratonas de sono, com direito aos mais altos ressonares da sua existência, tocados em coro, ou fazendo vozes.
                        O Outono entrou e apenas os dias se tornaram, lentamente, mais curtos, os crepúsculos são pardos aumentando as solidões dos deprimidos, o assobio nostálgico dos melros anunciando a hora do recolher.
                        Mas nos shoppings, junto aos hamburgers e pizzas, eles e elas passeiam-se como se o Verão abrasasse eternamente fora das sombras, colado aos seus corpos; os garotos vão já para a escola, mas sem folhas coloridas nem frutos da época, vão todos com os braços nus das mangas curtas, olhando com atenção os peitos inchados das novas e jovens professoras, nas suas t-shirts apelando, de letras garrafais,
                        - Look at me!

Comentários

Carlos Ramos disse…
A radiografia....lucida.

Abraço

delírios mais velados