antes só


Auto-retrato, de José Bóia em 1000 imagens


Antes só que mal acompanhado: e assim chegaste ao teu limite. Prestas contas à janela e para com a paisagem abandonada do lado de fora, e ficas em paz interiormente. São os livros que derradeiramente te irão agora levar em ombros. Não te pedem nada, não te exigem formalidades ou cedências de última hora. Não te querem para outra coisa senão que os acarinhes com os dedos sobre as lombadas, que lhes sintas a textura das folhas e o aroma do papel, que os leias como quem desnuda de êxtase o ser amado. Eles estão para ti e não te fecharão qualquer porta.

Tens também a música com que viajas, o copo de whisky para te afastar as sombras, e uma quantidade infinita e patética de tecnologia para dispores em horas de alegria ou, se for o caso de necessidade destiladora da bílis, para te indispores, vociferares, mandar à merda.

Não pertences a ninguém nem a mais nada. Tens-te a ti. Foram-se os amigos? Antes só que mal acompanhado. Aguenta-te. Disseram-te certa vez: “as árvores morrem de pé”. Em terra firme e de pés bem assentes tenta agora permaneceres, até que asas te cresçam nos costados e possas verificar enfim se os mortos habitam o céu.

Comentários

Rute Coelho disse…
Retrato belíssimo de uma solidão interior, íntima e quase inconfessavél.

Obrigado pelas palavras

Maria da Lua
ivone disse…
ser_se só não se escreve. tenta_se mas não se espalha o suficiente na página.
miguel disse…
Na vida, o facto de se estar só, não significa que se esteja bem acompanhado. Há que meditar e procurar dentro de nós o que de mal se foi colhendo durante a nossa caminhada.
Olhar para os erros do passado, faz-nos encontrar as respostas certas para um futuro repleto de escolhas e dissabores.
Mesmo sabendo que há males incuráveis, vale sempre a pena baixar as armas e (re)tentar, pois tal como diz o ditado, a esperança é a última a morrer, e à semelhança das àrvores, quando morre, em todo o seu esplendor, morre de pé.

delírios mais velados